Linda Martini, “Unicórnio
de Sta. Engrácia”, in https://www.youtube.com/watch?v=MAvfI0M791A
Dizem: ter pés firmes no chão é preferível à epopeia dos
sonhos. É preferível, aos estridentes contornos do idealismo. Porque os
idealismos depressam esbarram no chão que desaparece debaixo dos pés – cortesia
dos poderosos. Dizem: devemos ter a destreza dos marinheiros, que sabem ler as
estrelas no fio de prumo da noite e os sinais das ondas. Não devemos ceder à
tentação do orgulho, nem sermos trespassados por heroísmos estéreis. Devemos
ser hermeneutas das circunstâncias que nos põem numa ilha. E saber ler os mistérios
do chão sob os pés. Mas também devemos ser intérpretes do ar que os outros
respiram, para não sermos vítimas às mãos de algozes.
Os corredores por onde se meneiam as curvas do
pragmatismo são estreitos, sombrios, gomosos. Um lugar onde o olhar permanece embaciado,
sem critério que confira as respostas que vêm na véspera dos desafios. Dizem: é
preferível ter o corpo confinado aos corredores estreitos e sem critério por
onde navegam as barcas do pragmatismo, mesmo que os mapas ainda não tenham sido
desembaciados. É preferível: as alternativas alquebram as pirâmides do
desconhecimento, onde as marés apenas anunciam incerteza. Uma alternativa é a
inércia, atirar o pensamento aos contrafortes dos sonhos, como se tudo não
fosse se não um arremedo de ilusão transfigurada em coisas palpáveis. A outra
alternativa é o desassombro, a lucidez de não querer a cerviz dobrada, sob pena
de elevados danos na densa consciência por dentro. Uma pulsão de heroísmo pode
convocar decisões para as águas tumultuosas onde medra a audácia, onde se
sopesam dores interiores que açambarcam o sono e ditam o encargo de desafiar os
desafios.
Dizem: responder com um desafio a um desafio pode ser uma
cilada em que caímos, sem darmos conta. Como se alguém nos empurrasse na direção
do precipício mercê das cancelas que se deitam quando tentamos passar caminhos brandos.
O que conta é a astúcia para a leitura das estrelas que se congeminam no horizonte.
Para decifrar os ardis semeados no caminho. E conseguirmos a lucidez de não
cair na armadilha, deitando o olhar algures e levitando coisas outras que
derrotam a ardilosa matéria que podia tirar os freios a uma heroicidade tola.
Os pés apontam na direção de uma levada estreita, mas
conhecida. Onde mora o previsível. Onde não se lobrigam atos de rebeldia – de inconsequente
rebeldia, dizem. Pois deitar tudo a perder pode ser imprudente coleta. A
cerviz, condoída porventura, acaba por se curar das enfermidades. Com o tempo.
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