7.4.16

Os estreitos corredores do pragmatismo

Linda Martini, “Unicórnio de Sta. Engrácia”, in https://www.youtube.com/watch?v=MAvfI0M791A
Dizem: ter pés firmes no chão é preferível à epopeia dos sonhos. É preferível, aos estridentes contornos do idealismo. Porque os idealismos depressam esbarram no chão que desaparece debaixo dos pés – cortesia dos poderosos. Dizem: devemos ter a destreza dos marinheiros, que sabem ler as estrelas no fio de prumo da noite e os sinais das ondas. Não devemos ceder à tentação do orgulho, nem sermos trespassados por heroísmos estéreis. Devemos ser hermeneutas das circunstâncias que nos põem numa ilha. E saber ler os mistérios do chão sob os pés. Mas também devemos ser intérpretes do ar que os outros respiram, para não sermos vítimas às mãos de algozes.
Os corredores por onde se meneiam as curvas do pragmatismo são estreitos, sombrios, gomosos. Um lugar onde o olhar permanece embaciado, sem critério que confira as respostas que vêm na véspera dos desafios. Dizem: é preferível ter o corpo confinado aos corredores estreitos e sem critério por onde navegam as barcas do pragmatismo, mesmo que os mapas ainda não tenham sido desembaciados. É preferível: as alternativas alquebram as pirâmides do desconhecimento, onde as marés apenas anunciam incerteza. Uma alternativa é a inércia, atirar o pensamento aos contrafortes dos sonhos, como se tudo não fosse se não um arremedo de ilusão transfigurada em coisas palpáveis. A outra alternativa é o desassombro, a lucidez de não querer a cerviz dobrada, sob pena de elevados danos na densa consciência por dentro. Uma pulsão de heroísmo pode convocar decisões para as águas tumultuosas onde medra a audácia, onde se sopesam dores interiores que açambarcam o sono e ditam o encargo de desafiar os desafios.
Dizem: responder com um desafio a um desafio pode ser uma cilada em que caímos, sem darmos conta. Como se alguém nos empurrasse na direção do precipício mercê das cancelas que se deitam quando tentamos passar caminhos brandos. O que conta é a astúcia para a leitura das estrelas que se congeminam no horizonte. Para decifrar os ardis semeados no caminho. E conseguirmos a lucidez de não cair na armadilha, deitando o olhar algures e levitando coisas outras que derrotam a ardilosa matéria que podia tirar os freios a uma heroicidade tola.
Os pés apontam na direção de uma levada estreita, mas conhecida. Onde mora o previsível. Onde não se lobrigam atos de rebeldia – de inconsequente rebeldia, dizem. Pois deitar tudo a perder pode ser imprudente coleta. A cerviz, condoída porventura, acaba por se curar das enfermidades. Com o tempo.

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