4.4.16

O jogo das sombras

You Can’t Win Charlie Brown, “Over the Sun/Under the Water”, in https://www.youtube.com/watch?v=YEMvZNAYN5g
Os peões, a multidão democrática (mandam os cânones), movem-se no chão molhado. Fogem das sombras atiradas pelas peças mais poderosas – os bispos, as torres, os armeiros montados em cavalos, ocasionalmente o rei ou a rainha. Fogem das sombras: sabem que as sombras dardejadas contêm um veneno sagaz que os condena à servidão.
É um jogo difícil. Nem todos conseguem ter noção do chão que pisam, nem conseguem entender as forças que se congeminam. São vítimas das sombras que sobre si se abatem. Só dão conta quando a sombra se vestiu sobre eles, deitando-lhes um luto irremediável – o luto deles mesmos, daí para a frente agrilhoados à vontade que se faz fora deles. As sombras subjugam os movimentos, incapacitam a vontade, põem as suas vítimas como marionetas nas mãos das peças poderosas que, de um promontório privilegiado, dominam o jogo das sombras.
Aos peões que tomam consciência do jogo das sombras, o segredo está em ladear as regras do jogo. Primeiro, têm de interiorizar as regras. Segundo, devem ser capazes de fugir às regras, como um foragido que cerziu a fuga aos ditames da justiça que considera injusta. Estes peões fogem entre os pingos da chuva para não serem as próximas vítimas das sombras que arrimam mansamente, insinuando uma bondade enganosa. Estes peões tornam-se os fora da lei. São uns fora da lei paradoxais: não se limitam a não fazer as regras do jogo das sombras para não se tornarem suas próximas vítimas; em cima disso, aspiram a subir na hierarquia das peças, para deixarem de estar na posição de possíveis vítimas das sombras e se tornarem seus agitadores.
É uma estratégia de sobrevivência, dirão alguns. Outros julgam tratar-se da ambição que leva os homens a traírem princípios e a adulterarem o lastro que trazem com a avareza de se tornarem algozes em vez de vítimas. Nesta estratificação (não marxista), as sombras que se entretecem no horizonte, locupletando a claridade do céu, são o viveiro das prisões implícitas e mal-intencionadas que subtraem a liberdade aos peões.

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