Chvrches, “Lies”, in https://www.youtube.com/watch?v=81RqEnvczV8
Ninguém tem a mentira na ponta da língua. Nem o
suficiente travão na língua que impeça a mentira. Somos todos inocentes no
restolho da inverdade. E ingénuos, também.
Às vezes, é melhor que o sol tenha uma peneira a ocultá-lo.
Pois o sol pode deixar à mostra as verdades pungentes, as que custam a digerir,
as que têm difícil convivência. De caminho, é-nos dado a saber, ou pelo menos a
desconfiar, que o encobrimento da verdade é matéria pródiga entre os cidadãos (já
para não entrar na discussão ontológica acerca da verdade). Em assim sendo, às
vezes (também) há quem pergunte se a mentira não é preferível à verdade, pois
se toda a gente anda a semear inverdades, atirando-as para cima dos outros, não
vem mal ao mundo se o método passar de boca em boca até ficar enraizado como
uso adquirido.
A páginas tantas, de tanto os mitómanos acreditarem nas patranhas
que pespegam, a fronteira entre a verdade e a mentira perde nitidez. (Outra
vez: descontando a possível fluidez da verdade como matéria suscetível de
balizamento subjetivo: tudo depende das lentes que decantam os factos que se
apresentam ao altar da verdade.) Como proclama o provérbio, de tanto se contar
uma mentira ela transforma-se em verdade.
Os hermeneutas da mentira escalpelizam o fenómeno: há
mentiras e mentiras. Obedecem a uma ordem de grau – de intensidade e de
gravidade, atestadas as suas consequências. As pequenas mentiras, argumentam, são
do foro da inocência; delas não vem mal ao mundo nem à consciência de quem as
pratica. Há as mentiras de média gravidade, as que adulteram o cenário onde
outras pessoas se movem, as que podem incomodar o sono do mitómano seu fautor.
E há as grandes mentiras, as que têm equivalência a grandes abalos telúricos, como
se reivindicassem os métodos do revisionismo estalinista. Ou, num quase grau
zero da mentira, o silêncio que, por o ser, é ocultação de uma verdade; as
mentiras por inércia. No rescaldo das palavras que se dizem, quantas mentiras
ficam reservadas ao íntimo do seu autor? Quantas são as mentiras que nunca
chegam ao pergaminho de mentira por os outros não descobrirem a patranha?
Num palco assim configurado, o dia das mentiras, o dia
em que as pessoas se aldrabam umas às outras em jogo lúdico, devia perder lugar
nas celebrações informais que ganharam direito a calendário. Talvez fosse mais congruente
tornar o primeiro de abril o dia das verdades.
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