The Cure, “A Forest”, in https://www.youtube.com/watch?v=xik-y0xlpZ0
(Os dois homens avançaram pela floresta tingida de
nevoeiro. Aceleravam o passo sob a batuta do homem que jurava ter sido
apoquentado por um vulto. Ele não queria ser refém da noite sob os auspícios da
floresta.)
- Vais depressa de mais. Abranda. Estou cansado.
- Não, nem pensar. Faz-se tarde. Apesar do nevoeiro, já
se nota o entardecer. Não quero passar a noite metido nesta floresta.
- Tens, ao menos, uma ideia para onde vamos?
- ...
- Não devíamos parar e perceber por onde andámos e se não
devemos pensar numa estratégia que ajude a encontrar um rumo?
- Perdemos tempo com isso. Entretanto, a noite não se
demora.
- Só que erramos para aqui, sem saber do rumo. Estamos à
mercê da sorte. Ou do azar.
- Não interessa. Arrisquemos. Pode ser que encontremos
uma centelha que não nos condene à noite na floresta.
- Continuas obcecado pela ideia do vulto...
- ... Não é uma “ideia”: foi uma perceção. (Respondeu,
irritado)
- O que teria o vulto para te amedrontar?
- Um vulto é um vulto. Se adeja sobre ti em pose
ameaçadora, precisas de inquietações interiores para dele ter medo?
- Não consigo acompanhar o raciocínio: se não há temores
que ocupem a consciência, por que haverias de te arquear perante o vulto?
- Não é da tua conta!
- Escondes algo. Queres partilhar o que te atormenta?
- Nada. A não ser a hipótese de ficar à mercê da noite,
que é medonha se continuarmos perdidos nesta floresta de assombrações.
- Como sabes que a noite na floresta é um desastre?
- Suponho.
- Já são duas suposições que nos deixam nas fímbrias da
perplexidade desde que nos aventuramos na floresta.
- Continuas a ironizar comigo. Peço-te respeito. Todos temos
medos. O que tu proclamas serem duas suposições são, na minha maneira de ver,
dois medos. Podes-me ajudar a achar uma solução para desfazer esses medos?
- Fala dos medos.
- Eu preferia que me ajudasses a achar caminho que nos
retirasse da desorientação no meio desta floresta.
- Temo não te poder ajudar. O nevoeiro não deixa
alcançar pontos cardeais que, em dia soalheiro, podiam ser roteiro nosso daqui
para fora.
- Não me resigno. Vou porfiar. Se quiseres ficar para trás,
é contigo.
- Não parece boa ideia. Se nos dividirmos, cada um fica
por sua conta, à mercê das armadilhas da floresta. E, no teu caso, ficas
sozinho nas mãos da noite que tanto temes.
- Noto que não te agrada a ideia de ficares sozinho no
meio da floresta em véspera de uma noite longa. Afinal, os medos não são
exclusivo meu...
- Pois também me assaltam temores, não é novidade. Também
não me agrada ficar ao relento na floresta enquanto a noite faz o seu caminho. E
admito que fico agitado só de pensar que fico sozinho a aguentar a noite.
- Vamos procurar a saída da floresta?
- Vamos. O que fazemos, então?
- Seguimos em frente. Não temos tempo para estratégias. O
entardecer já entrou no tempo. A noite não tarda. Arrisquemos.
- E se perguntasses ao vulto se te ajuda na demanda?!
(Exasperado, o homem temeroso enleou-se numa luta com o
outro homem. Estava cansado do cinismo e da desconfiança. Das perguntas
sucessivas. E do tempo que perdiam enquanto a noite se prometia para a floresta
e eles permaneciam entregues ao desnorte. A luta foi breve. A ira do homem
temeroso deixou o outro homem inconsciente. Agora estava cada um por sua
conta.)
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