11.4.16

O déspota

Last Shadow Puppets, “Bad Habits”, in https://www.youtube.com/watch?v=sYdHiPZNbO0
Ferve a verve que o torna iluminado. Uma farta fatia da sua autoridade encontra aí esteio. Tomando posse do leme, não mais o desagarra. Cimenta o altar em que se coloca, sagrada vaca, intocável personagem que não admite titubeações à sua autoridade. Se preciso for, ostenta nas fisionomias alheias a autoridade, para que os súbditos percebam quem a detém. Vai dividindo o reino em pequenos talhões de delegada autoridade, virando os tutores de cada talhão uns contra os outros com o desiderato de sublimar o poder nas suas mãos a um pináculo inamovível.
Em barro os divinos pés não toleram vicissitudes que hipotequem o decretado através de sua ungida mão. Ai de quem levantar um mínimo dedo para o desafiar: depressa condenado ao degredo maior, pública humilhação tão aviltante que com apuro a vítima se consegue endireitar da lama para onde foi atirado. Mas o déspota aparenta não o ser. Ensina boas práticas em público. Discorre lautas lições de moral, para arregimentar seguidores convertidos à inércia, ou no máximo à obrigatória genuflexão.
Saberá o déspota que o respeito dos demais o obtém mercê do medo que neles semeia. Não imaginará que este não é critério elogiável para concitar respeito. É temido; não é respeitado. E nem a retórica que ludibria os incautos, cosmética da praxis incorrigível, chega para despir as vestes autocratas. São-lhe já genéticas. As lições soçobram na oratória de confessionário. Um par de olhos atentos ao chão por ele pisado e aos decretos com a sua chancela bastam para aluir a máscara dos embustes.
Um déspota é um déspota. Não se corrige. Está-lhe no sangue.
A máscara dos embustes! Se as palavras proclamadas são hinos à polis ideal onde todos seriam ordeiros filiados num rebanho apascentado por um notável e respeitado homem do leme, depressa a praxis engole as palavras, destinando-as ao promontório das boas intenções que cimentam boas lições sobre boas práticas. O que sobra é um largo manto de torpedeamentos ao calhas, atingindo os destinatários que aprouver para, em cada momento, se ostracizar como oligarca sem descendência – o pior dos déspotas.
O pior, é que nem os déspotas conseguem fugir a Tanatos. São efémeros, como todos nós.

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