The Clash, “Should I Stay
or Should I Go”, in https://www.youtube.com/watch?v=cLQJVKP3YlM
(Considerações politicamente
incorretas no dia do referendo britânico sobre a participação na União Europeia)
Não interessa saber se este é um referendo genuíno, ou
seja, se procura obter o consentimento da população sobre o lugar do Reino
Unido na União Europeia, ou as jogadas partidárias falam mais alto. O que
interessa é o que está em causa. Se o Reino Unido sair da União, nessa altura só
os teólogos da política continuarão a dedicar prosa aos efeitos partidários que
a manobra terá na paisagem política britânica.
Nada ficará como dantes. Ganhe o sim, ou ganhe o não. Sem
discordar dos efeitos que o resultado do referendo poderá ter para o Reino
Unido, para os demais países da União e para o processo de integração na
Europa, e sem prescindir do direito de cada um, votante ou afetado noutros países
pelo resultado da votação, de ter preferência sobre o referendo, incomoda-me a
pressão psicológica que prosélitos do sim, no Reino Unido e pela Europa fora, têm
exercido. Tecem-se cenários dantescos caso vingue o não. Quem o faz fora do
Reino Unido não está preocupado com os efeitos telúricos que o resultado terá
para aquele país; está virado para a estimativa dos efeitos, dos mensuráveis e
dos que não têm mensuração possível, nos outros países afetados. Nesta medida,
a da intensa interdependência, não é posição intelectualmente radical afirmar
que os cidadãos de outros países da União Europeia têm legitimidade para
manifestar um desejo sobre o resultado do referendo. Esse é um direito que,
julgo, também não pode ser hipotecado.
Mas tenho por soez que os defensores do sim acenem com
uma constelação de efeitos devastadores caso o não saia triunfante. Por mais
que estejam cobertos de razão, a forma ostensiva como o fazem, a narrativa
preenchida por mecanismos de condicionalismo psicológico – como quem tenta
persuadir o eleitorado à força, convencendo-o que votar não é irrazoável – esbarra
em duas objeções: primeira, pode ter efeitos contraproducentes, pois algum
eleitorado pode julgar intrusivas manobras com este calibre e inclinar-se para
o não, só para contrariar a arrogância intelectual dos que assim fazem
campanha; segunda, e mais importante, participar na União Europeia devia ser um
ato de vontade. Se um país deseja sair, está no seu direito – qualquer porta
tem dupla serventia: entrada e saída. A legitimidade dessa decisão é ampliada
quando resulta de uma consulta referendária. E se a saída do Reino Unido pode
ter efeitos sísmicos para a União Europeia e para certos países em particular,
temos o imperativo de aceitar o resultado do referendo, mesmo esses efeitos
sejam confirmados.
Di-lo um entusiasta da União Europeia. Di-lo alguém que afirma
a preferência pelo triunfo da continuidade do Reino Unido na União Europeia.
Di-lo, também, alguém que está saturado de sucessivos tiros no pé disparados
por quem devia ter a diligência de contribuir para uma capaz política de relações
públicas da União Europeia. E mesmo que se confirme a emergência dos piores
fantasmas esbracejados (uma profunda crise existencial da União Europeia; o
precedente que pode levar à futura saída de outros países que queiram exercer o
seu direito de secessão), esse cenário deve ser medido como a oportunidade para
a refundação da União Europeia.
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