Sigur Rós, “The Rains of
Castamere”, in https://www.youtube.com/watch?v=w3QW8PVyyNM
Quem disse que a fantasia não é possível? Quem assegurou
que apenas podemos ter os pés ancorados ao chão firme, sem janelas abertas ao
que muitos acham ser o degredo das ilusões?
Os devaneios não ficam sitiados pela poderosa espessura
da realidade. Se fosse ao contrário, os sonhos eram proibidos. Não contavam as
efabulações que dão chama à literatura e à poesia. Não ganhavam cor as contravenções
do real, para desespero dos tutores da realidade que tanto gostariam que ela
fosse um pasto sereno para uma multidão obediente. Mas esses tiranetes não
sabem como são impotentes contra as extravagâncias da criatividade são o húmus
de palcos imaginários, palcos sem chão tangível e, todavia, palcos apetecíveis –
talvez os palcos mais apetecíveis.
Há dias aprendi com a minha filha, enquanto nos divertíamos
nos carrinhos de choque. Peguei no volante e as memórias foram lá atrás,
resgatar a destreza ensaiada quando, adolescente, eu e os meus amigos achávamos
que proeza era conduzir sem chocar com outros carrinhos. A minha filha
chamou-me à terra ao ver a monotonia da função. Disse: “isto é engraçado se fores contra os outros carrinhos de choque.”
Estava coberta de razão. Assim como assim, chamam-se “carrinhos de choque” por
alguma razão. E se, enquanto conduzimos na estrada, temos as parangonas da
prevenção rodoviária embebidas no subconsciente, evitando o mais leve contacto
com outros veículos, nos carrinhos de choque temos o lugar próprio para a
vingança do quotidiano, para fugirmos da tirania da realidade.
Os outros que coincidem na corrida dos carrinhos de
choque são vítimas amigáveis da fúria acidental que se deposita nos dedos que
seguram o volante. Chocamos contra eles e mantêm aquele sorriso pueril de quem
parece que encontrou palco para recuperar um pedaço da infância (ou da adolescência).
Fugimos da rotina. Em linguagem popular, “desopilamos”. Trazemos para a arena –
a pista dos carrinhos de choque – delírios que não podemos praticar nas estradas
e nas ruas das cidades. Confirmando que há sempre a possibilidade de montar um
palco, com chão tangível, para traduzir as ilusões em coisa palpável. Nem que
seja para sabermos que o tempo não é monopólio da bruta realidade.
E, também, para concluir que aprendemos com as crianças.
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