29.6.16

O dia em que a lua não se deitou

Mogwai, “Waltz for Aidan”, in https://www.youtube.com/watch?v=-3ui5Eu33FA
A alvorada dava sinais de vida. A custo, a luz timorata varria a noite para as alfombras do horizonte. E, todavia, a lua persistia. Ia ser presença total naquele dia. Cheia, imponente, continuando a emanar uma luz poderosa, o mesmo luar que enfeita as noites quando a escuridão se amedronta diante do luar intenso.
A lua concorria com o sol que, a pulso, ia ocupando um lugar no céu, dando patente a um dia soalheiro. Uns olhos que estivessem atentos, uns olhos que não se limitassem, acabrunhados, a palmilhar os centímetros de chão à sua frente, veriam o insólito de duas circunferências irradiando cada uma luz à sua maneira. As duas a uma distância de segurança, em sinal de respeito recíproco. Se a lua concorria com o sol, tornando-se dele rival por um quinhão do tempo que não era dela (mandam as convenções e os manuais da ciência), não havia nenhum propósito de açambarcar ao sol um território seu. A lua quis, naquele dia de sortilégios, espreitar para a Terra enquanto era banhada pelo sol. Sempre tivera essa curiosidade. Queria ser penhor, por um dia que fosse, da claridade que provinha do sol; queria ser como nós, habitantes do planeta, quando levitamos por efeito de um dia banhado pelo sol.
A lua manteve-se no seu canto, rodando no firmamento na exata medida da trajetória rotativa do sol. Ao contrário do sol, que se iça das funduras escondidas atrás do horizonte e desenha um arco pelo céu até desmaiar ao entardecer, a lua conseguiu manter-se altaneira. A lua era o promontório de onde divindades, caso existissem, tinham palco de excelência para vigiarem os mortais. Quando as cores do ocaso fundiram o dia com a penumbra, dando lugar à noite que, sem pré-aviso, tomou posição, a lua soltou-se da iridescência solar e resgatou o fulgor.
Naquela noite, a lua estava maior. Sentia-se maior. Intensa. Aprendera a ser luz ainda mais intensa com o sol. Naquela noite, a noite mal o fora. Pois durante o dia, a lua não achou horizonte onde se deitar. E quase ninguém deu conta. Pois se desse, seriam maiores com a lua maior.

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