9.6.16

Salitre


Tobias Jesso Jr., “True Love”, in https://www.youtube.com/watch?v=baVveuLnoA4
O sal no corpo repuxa as suas dobras. Faz sol – um sol intenso, e os corpos aquecem-se sob a batuta do sal apanhado na água do mar. Deitados ao sol, sentem as rugas sideradas por efeito do salitre deposto. Uma mão deita-se nas costas do corpo outro, afaga-o a mão quente e leva os dedos pelos poros tisnados pelo salitre. O corpo arrepia-se. É como se tivesse sido flambeado por uma pedra de gelo, apesar de a mão outra se apresentar quente – como tórrida está a temperatura naquele fim de manhã soalheiro. A mão desce ao nível da mão outra. Entrelaçam-se. Como se da troca do salitre alheio viesse o sortilégio de salitre nenhum se compor nas pregas das peles amornadas. O salitre das mãos intromete-se nas mãos outras. A fusão do sal vem na azáfama da ignição dos corpos. Que se incensam no desejo sem freio, já sem o estorvo do salitre que serviu de amparo à combustão dos corpos. Ao entardecer, quando os corpos anunciam o torpor de um dia madraço, prometem-se ao salitre do dia vindouro. Entregam-se um ao outro, na simbiose quimérica que sal algum deixa para trás. Pois os microscópicos grãos do salitre que enfeitam os corpos são o amplo miradouro por onde entram os feixes de uma luz única. Uma luz singela que empresta calor aos corpos. Prometem-se, os corpos. Aderem a um tapete transparente onde os segredos destapam um véu acetinado. Entregues um ao outro, despojado o salitre, ficam os corpos em sua nudez. Preparados para serem o que são, na combustão indelével que atira as chamas a um céu em penumbra. Usando o sal como archote que dá vida a essa combustão. Pelo caminho, advinham os poros suados como imagem sublime de uma intempérie acalmada. O salitre tratou do resto.

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