8.6.16

Engodo


Nick Cave, “People Ain’t No Good”, in https://www.youtube.com/watch?v=jwv5oQPlrbw
O sexagenário pimpão ostenta a sua muito mais nova paixoneta asiática. Deambula pela praia, pela esplanada, por todos os lados. Erguendo a cabeça em sinal de vaidade, virando-a e revirando-a para todos os lados, para exultar interiormente com a ideia de que a audiência os vê e ele julga que a audiência exala um desdém notório. Pelo menos, a audiência que lhe interessa na medição de comportamentos: a audiência masculina. Pois que a feminina é irrelevante, fazendo jus às credenciais de marialva que também ostenta. O sexagenário dá a mão à possivelmente futura consorte e desfila pelo areal, mostrando-se cicerone das atrações locais e das particularidades das enseadas. O sexagenário pueril não disfarça o embevecimento. Convida a audiência – a masculina e a feminina – a deitar-se no adivinhamento: onde terá seduzido a beldade asiática que, a julgar pela diferença etária, teria idade para ser sua neta? Como terá sucumbido aos encantos da beldade ao ponto de por ela se perder de feitiços e patrocinar a sua migração para lugar tão distante? E outras coisas da intimidade que um texto decente não pode especular. O sexagenário gordo não esconde a paixão avassaladora. A jovem asiática também não. E nós, da plateia: uns invejosos, outros mergulhados num manto de moralidade que se lamenta, outros atónitos, outros imersos num profundo lirismo, e outros apenas observadores; nós, da plateia, ensaiamos palpites sobre a origem daquela intensa querença que, desfilando em notória ostentação, fez parar a praia e os arredores. Da querença em notória ostentação adolescente entre o sexagenário extemporâneo e a jovem beldade asiática – quem sabe? – futura ex-consorte, assim que o encantamento (seja lá o que o nutriu) se apagar e regressar à Ásia longínqua, deixando o sexagenário em prantos, ou em preparos para nova sedução de um notório pinga-amores irresistível. Pois, diz o adágio do povo, o amor não olha a idades. E os que se quiserem sentar num púlpito julgador, terão cometido atentado contra a sabedoria popular em notório destilar de inveja ou de reprovação social.

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