Sonic Youth, “Kool Thing”,
in https://www.youtube.com/watch?v=SDTSUwIZdMk
Às onze horas da noite ainda não se pode dizer que é
noite. Teima a luz diurna. Às três horas e meia da madrugada pode-se dizer que é
timidamente madrugada. A luz diurna derrotou a noite envergonhada que, no dia
que é o dia maior, é efémera.
Estão mal os noctívagos – espécie de morcegos humanos
que celebram a noite e o embargo da luz a que se convencionou chamar natural,
como se fosse uma fértil divindade de uma coisa qualquer a que eles deram
chamamento. Por estas nórdicas paragens, a noite mal tem tempo para ir ao seu
lugar. A curvatura do planeta põe os nórdicos lugares mais perto do sol. A
noite apenas se penteia ao de leve no firmamento por onde mal espreita.
O corpo mais meridional, habituado a outro cosmos,
estranha a reinvenção dos quadrantes do tempo e da luz. Olha pela janela do
quarto do hotel e nota a luminosidade que, nos lugares meridionais de onde vem,
corresponde ao entardecer. O relógio desmente: se o entardecer se pode dizer
que acontece quando o dia entrou na vigésima-terceira hora, não é pelo diapasão
meridional. E quando a luz diurna entra pelas cortinas do quarto e avisa que o
dia chegou, mas o relógio anuncia que o dia neófito ainda só leva três horas e
meia de existência, o sono evapora-se. Voa com a luz diurna que veio a
destempo.
O equinócio do verão, termómetro que ajuramenta o dia
maior, o dia em que o palco de luz natural derrota qualquer outro, açambarca o
sono. O dia em que menos se dorme. As tarefas urgentes deviam coincidir com o
equinócio do verão. E, de preferência, em lugares nórdicos. Como não noctívago,
comemoro o equinócio de verão e, de preferência também, em lugares nórdicos. Como
as coisas têm a sua simetria, já não tinha mesuras de provar o equinócio de
inverno montado em nórdicos lugares. Em não sendo noctívago, e julgando que as
trevas congeminadas pela noite são uma usura do tempo, preferia, nessa altura,
ser visitante de meridionais lugares.
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