Linda Martini, “Este mar”
(ao vivo), in https://www.youtube.com/watch?v=Ug970LLnim4
Dissolvidos os limites
que apartam pertenças. Nos baldios, somos todos gentios. Somos todos iguais na
indiferença dos títulos ausentes. Pisamos terra de todos. Na erosão dos
limites, que depressa passam a deslimites. Não interessa que soem os alarmes
por entorse das regras; nos baldios, desaparecem as regras, sobra um não
escrito código de conduta que é a cidadela da coesão. No aparente caos dos
deslimites, os corpos aprendem a hibernar. Uma hibernação original, sem sono
pelo meio: uma efusiva resignação pela dissolução das fronteiras que delimitavam
a barbárie dos homens. Uma imensa casa comum fervendo no telhado frondoso que é
o céu repleto de estrelas que compõe o mapa da noite. E as pessoas perguntam,
de boca em boca, onde é a soleira do baldio mais próximo. A mensagem corre com
a velocidade certa. Os baldios enchem-se de gente que se despoja de uma
identidade-espartilho. Festeja-se, ao som de música. Os rostos irradiam a
alegria espontânea das regras ausentes. Os rostos bebem, uns nos outros, a
alegria de que são tutores. Perante os arbustos emaranhados, as pessoas
organizam-se e desmatam os baldios. Não querem neles edificar novas urbes que
sigam a esquadria de arquitetos peritos nem as ordenanças que alinhavam as bainhas
da geografia. Desmatam os baldios com o propósito de agilizar as andanças por
eles fora. Os deslimites continuam a ser matéria sagrada. E se alguém procura
impor regras por cima de um não escrito código de conduta, sobra-lhe o degredo
de volta para o regaço da civilização. Nos baldios, apascenta-se o
descomprometido abraço com a pertença ao berço onde só conta a linhagem das
pessoas, sem estorvos outros que não seja a essência pura que dimana das veias
de cada um. Pois é em baldios que as portas perdem serventia e a vontade se
entroniza na embocadura de um rio desenfreado.
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