13.4.23

Jurar pela honra, que é pouca

The White Stripes, “I Just Don’t Know What to Do With Myself”, in https://www.youtube.com/watch?v=wzDG0jA3XVY

Quando tomam posse, os servidores públicos juram sobre a Constituição que, pela sua honra, cumprirão as funções com zelo e esmero. Enquanto servidores públicos, devem travar os ímpetos pessoais para se dedicarem, em regime de exclusividade, ao interesse público. E juram, pela sua honra, que se comprometem a fazê-lo.

Nunca entendi o conceito de servidores públicos. Se trabalham para o Estado – dir-se-á –, são servidores públicos. Porque o Estado é sobre a satisfação do interesse público. Mas a existência de servidores públicos, assim considerados, é atávico. Como se tratasse de mordomos, todavia todos pimpões, que tudo sacrificam para honrarem o interesse público. Estão destinados a servir o interesse comum; não se fale de generosidade maior do que esta. Contudo, estas pessoas não deixam de ser pessoas. Não se acredite que todos sejam escrupulosamente servidores do interesse público: na hora H, alguns cedem a interesses, confessáveis ou não, que entram no tabuleiro das influências que se jogam na determinação do que é o interesse público e de como devem ser prosseguido. Falar de servidores públicos como serventuários do bem comum, só se for uma metáfora. 

Nunca consegui perceber por que se obriga os servidores públicos a jurarem pela sua honra. Quem não tem espantalhos interiores que possam ferir a diligência pessoal não precisa de jurar o que dele se espera enquanto servidor público. Só precisa de jurar quem possa ser assaltado por dúvidas, o descaminho que o pode distanciar de fazer o que se espera que seja feito. Para estes, o juramento é uma mnemónica. Obrigá-los a jurarem pela sua honra é uma espada que fica pendida sobre as suas cabeças. O juramento em nome da honra será o palco de todos os seus pesadelos, em nome da sindicância constante do servidor público (e, provavelmente, num acesso de assimetria, mas não de outros servidores públicos). Para quem tiver coluna vertebral à prova dos outros, a desonra é das maiores injúrias. Não precisam da coação do juramento, nem que lhes avivem a importância da (sua) honra. 

Às vezes, os servidores públicos confundem a natureza dos serviços que prestam. Deixam de ser imparciais. Deixam de servir o bem comum. Violam o juramento. E mandam a honra pela sarjeta, juntamente com a probidade que, fica demonstrado, alguns deixaram de ter e outros possivelmente nunca tiveram. Às vezes, e não são poucas, é o retrato dos últimos tempos. 

De regresso ao início do raciocínio, talvez fique provado que é imprescindível jurar em cima da honra própria. Pois se há tantos para quem as juras são moeda fraca, para quem a honra é uma cortina de fumo que apenas empresta uma máscara sem fundo, a cilada de quem afinal não serve o público. Os outros, para quem a honra e uma jura não são a parte fraca de quem são, jurar pela honra é uma tautologia. Um insulto à sua honra. A honra está tão acima na escala de valores que não se compadece com juras. São as vítimas de uma igualdade que promove uma discriminação: são eles, que não deviam jurar pela honra, que sentem o insulto de terem de o fazer. Para os demais, permeáveis a outros interesses, o juramento também não fará sentido, se a honra própria é letra morta.

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