14.5.24

(O perdão dos) Fazedores de conspirações

The Chemical Brothers, “The Test”, in https://www.youtube.com/watch?v=yhS9LnDoo_w

O azedume pela verdade estava dissimulado, escondido das veias determinantes. Uma pletora de dias cercava o oxigénio, cuidando da apoplexia dominante. Eles diziam ser desenraizados, os músculos fora de uma pertença, ou colonizados por um tempo a destempo que os mobilizava contra os lugares-comuns e as convenções. Queriam ser párias, por não se sentirem bem na pele de cidadãos com o estatuto exemplar de uma conduta acrítica.

Começaram a fazer conspirações. Ao início, eram só diletantes. Conspirações de pequena monta, com audiência restrita. A desonra da verdade não os incomodava, nem feria os destinatários: eram pequenas mentiras, coladas com a saliva da rebeldia. Sem intenção malévola (se se descontar a teórica maldade que está sempre presa a qualquer mentira, mesmo as piedosas). 

Não estava em causa mentir – ou o abalo sísmico que a mentira podia causar nos alicerces da consciência. Queriam uma sublevação que tingisse o mundo com a desobediência. Era criterioso, o latejar dissidente que se apurava naqueles rostos desassossegados. Talvez a conspiração desbotasse a letargia das gentes. Não importava que a conspiração rimasse com mentira; a conspiração seria uma mentira benévola, resgatando as pessoas de uma obediência acrítica que não questiona os alicerces, que aceita como dados os pressupostos que se soerguem com a costura do inquestionável, atirando cortinas baças para cima dos olhares. Domesticando-os.

Admitiam que conspiravam; não admitiam em público, o consentimento ficava reservado ao círculo próximo e aos demais que tinham inventado uma confraria com o propósito da conspiração metódica. Para que não houvesse dúvidas das intenções, escondiam-se numa célula de contra-conspiração que atirava cortinas de fumo sobre as conspirações de que eram autores, só para obrigarem as pessoas a serem seres pensantes. 

Para não serem acusados de parcialidade, semeavam conspirações para todos os gostos. Recolhiam o inventário das conspirações e as marés vivas que elas causavam. Mediam o tumulto e comparavam o estado do mundo depois de apurada uma conspiração. Quando a escala de Richter subia ao vermelho, retiravam-se para assistirem ao espetáculo do pensamento à distância.

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