24.5.24

Toupeiras

Spoon, “Can I Sit Next to You”, in https://www.youtube.com/watch?v=6_yJYNF_Qas

Um homem alterado irrompe numa gritaria desembestada. Interrompe um evento sobre violência contra homossexuais. Protesta, com os decibéis que rivalizam com os esteroides que terá tomado para formar tamanha musculatura, contra a perversão dos “bons costumes”, o assalto à “família tradicional”, o dinheiro que o Estado vai buscar aos nossos impostos para financiar ações como a que ele estava a interromper (pois a associação que a promoveu passou a ser financiada pelo Estado). O porte atlético amedronta as pessoas, o que dá palco demorado ao gongórico protestante que, afoito e na presença covardemente silenciosa do juiz dissidente que encabeça o movimento, prosseguiu na ideologização da audiência que haveria de assistir ao incidente através das câmaras da televisão convocadas.

O energúmeno invoca os “bons costumes” e alega a perversão das formas alternativas de vida e de sexualidade e de entendimento do que é uma família. Ergue-se embaixador de um arreigado conservadorismo. Tem direito a ser conservador. Tem direito a discordar dos costumes que vão emergindo e esbarram nos costumes bons de que se diz curador. Tem direito a resistir à sua emergência como costumes, essa é a sua natureza conservadora. E tem direito a pautar a conduta por um código de valores que não se reveja neste código alternativo ao seu. Não lhe assiste o direito a bombardear a liberdade de os outros quererem ser diferentes dele. 

Agora especulemos.

Confirmada a existência de um amplo mercado sexual em que transsexuais e travestis mercadejam favores carnais, ninguém me tira da ideia que estes musculados homens das cavernas sejam a sua clientela preferencial. Ninguém me tira da ideia que estes homenzarrões que transpiram hormonas varonis ficam intimidados pela ideia da nudez diante de uma mulher um milhão de vez mais lúbrica do que eles. Ninguém me tira da ideia que estes conservadores irremediáveis escondem segredos no armário que, se fossem confessáveis, mostrariam algumas das que os seus cânones diriam ser depravações da pior espécie.

Especulemos: porque de há tanto andar por aqui, e de tantas vezes tropeçar em gente que impetra que se dê atenção ao que dizem e escondem o que fazem, com a proteção da reserva que assiste aos bastidores, que ninguém me tira da ideia que estes conservadores empedernidos são o avesso do que exteriorizam, toupeiras que escondem a sua autêntica lavra sob uma máscara subterrânea.

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