1.5.24

A coutada dos vilões

Soft Cell, “Tainted Love/Where Did Our Love Go (Extended Version)”, in https://www.youtube.com/watch?v=q84psZX6MbA

A casa das causas: amamentam-se as ideias que fermentam (diz-se) com a espontaneidade de quem não precisa de causas. Os ossos fraturados curam-se. Os espasmos da alma esbarram no cais onde os carris se arrumam na ferrugem acogulada. O tempo empilhou-se e já não se sabe o que fazer com ele. As nuvens fazem lembrar coágulos que transtornam o dia.

A meio da luz, uns vultos açambarcam o dia. Talvez queiram a desfiliação do estrelato, mas a forma sombria deixa as pessoas perplexas, desconfiadas. Quem não está por mal não precisa de se disfarçar. Cercados pelas pessoas temerárias, os vultos arremetem, esbracejando palavras monstruosas que irão emagrecer o sono dos tementes. Falam de apocalipses certos e não transigem na esperança que costuma ser a âncora do futuro. Ameaçam com um lugar medonho se a redenção não for rogada. A vontade das pessoas à volta está amordaçada pelos vultos que adejam em forma de fantasmas. Interrogam-se se não é maldade pura. Se os vultos não são vilões.

As pessoas amedrontadas tentam virar o palco do avesso, querem esposar o esconderijo dos vilões. Um par de chaves gastas insiste na fechadura, que resiste. Desconfia-se que as chaves foram contrafeitas pelos vultos, intencionalmente. Para ninguém trespassar o seu esconderijo – os vilões têm o mesmo direito de levantar um perímetro à prova de forasteiros e de esconjurar as demandas que intuem a prescrição do seu feudo. Os vilões não querem deixar de sê-lo.

A interminável conspiração do mal contra o bem mobiliza gerações, umas depois das outras. Deu o mote a livros inteiros e à filosofia moral. É preciso conspirar contra o mal para o que mal não conspire contra os valores que habitam na bondade. Só que ninguém tem a lucidez de saber, sem vieses, onde está o mal e o bem, o que é o mal e o bem. Não se erradique a hipótese de adulteração de valores: os tutores do bem, os que assim se situam, serem exímios praticantes do mal disfarçado de bem; e – quem sabe? – os consabidos embaixadores do mal serem embaixadores de uma bondade fora do radar.

Toda a causa tem a sua casa. Embaixada com direito de admissão reservado. Como a maldade que se veste com a indumentária da bondade e a bondade que é um refúgio para fingir a maldade. 

Ainda está por saber do paradeiro dos vilões.

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