8.5.24

Tração atrás

The Breeders, “Huffer”, in https://www.youtube.com/watch?v=P7F3vWGQsVI

A mania – incorrigível – de espreitar pelo retrovisor pode dar para o torto. Nomeadamente: chocar estrepitosamente na parte de trás de quem segue à frente; ou apenas desviar o tempo que conta por conta da distração com o tempo pretérito.

Às vezes, chamam-lhes velhos do Restelo. Ninguém sabe de que padecimento sofrem os velhos, em especial, do Restelo. O anátema conservador está entranhado. Deles se diga que são as forças que reagem contra os propostos avanços do mundo – que, em linguagem que não se aparte do rigor, são dados adquiridos, não são negociados com a cidadania que os recebe, apática. 

Se falassem de carros, seriam os partidários da tração traseira e da caixa de velocidades imperativamente manual. Como lobrigam em socalcos afins ao marialvismo (que, entretanto, ganhou um novo nome: masculinidade tóxica), não demoravam a entretecer laboriosas analogias entre automóveis empurrados pelas rodas de trás e engrenar manualmente as mudanças que combinam a velocidade com o aproveitamento do motor. O humor não é universal, também se envidraça no consentimento do mau gosto.

Esses arcaicos, sitiados na exaustão do tempo presente, mergulham na nostalgia acerba. “Quando só havia carros movidos a tração traseira”, cospem a saudade fátua. Esquecem que a tração traseira é astuta: nos terrenos escorregadios, é difícil manter a aderência à vida real. Ou partem para a alunagem a um chão desconhecido, ou andam à luta contra o volante para voltarem a ter as rédeas na dinâmica que atraiçoa a mecânica. Era pior: não havia direção assistida, era preciso uma força bruta que não era para qualquer um.

Hoje a tração traseira e as caixas de velocidades manuais entraram em desuso. A favor dos condutores, a direção assistida suavizou o esforço da condução. Os que andam à procura de fantasmas no nevoeiro do passado, só para se investirem de heroísmo combatendo oráculos fabricados à pressa, esqueceram-se do futuro e só se lembram de usar o passado a tiracolo. 

Perderam a bissetriz do tempo. Deles não é o compêndio que encorpa as mudanças. Continuam a derrapar na tração traseira. Não os demove a contínua agonia de quem veste as dores da tração traseira tradicional. Têm medo do futuro, suspeitam que é feito de um buraco negro. Preferem a tração traseira. Contextualizam: andam mais no fio da navalha, conforme é do agrado da adrenalina. Pretextualizando.

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