6.5.24

Se te portares bem, não te levo ao junk food

Fat White Family, “Work”, in https://www.youtube.com/watch?v=jdCchCi6X28

Dantes, metiam-se fantasmas pelo meio para assustar as crianças (e os adolescentes, já não tão convincentemente). Agora, prometem-se guloseimas silenciosamente venenosas que os colocam no abismo da obesidade, corpos disformes antes do tempo. Os conspiracionistas de diversa cepa asseguram, só porque sim, que as multinacionais que fabricam comida-lixo metem ingredientes que industriam a viciação. 

(Não me importo com os conspiracionistas.)

Agora, os pais podem prometer um bodo se convencerem a descendência a não irem ao junk food. Os conspiracionistas aplaudem e as culturas de vermes (a crer na ladainha dos conspiracionistas) agradecem. Os fantasmas de outrora têm um formato diferente. Se queremos punir os petizes, mandemo-los para os estabelecimentos onde se come comida-lixo. Mais tarde, os seus corpos deformados e carregados de celulite frequentarão psiquiatras e nutricionistas antes de voltarem a sucumbir à gula, incapazes de resistir às forças moleculares que desatam a pulsão pela comida-lixo. 

(Afinal, existe uma conspiração entre as grandes multinacionais da comida-lixo, os psiquiatras e os nutricionistas. Dirão os conspiracionistas.)

O enorme perímetro abdominal, as pregas que adejam sobre os lancis das coxas, o queixo que já fareja o triplo patamar, o difícil que é respirar, um coração quase sempre no parapeito do abismo, a vergonha de ir à praia para não se ser cunhado depreciativamente – ou não; se os petizes não se amedrontam com a ameaça (“se te portares mal levo-te ao junk food”), e se houver um efeito de contágio, os corpos serão maioritariamente vultuosos, numa concessão voluntária à obesidade. As gerações futuras serão menos ecológicas, elas vão ocupar mais espaço. E a estética passará a obedecer a novos padrões, para não ofender os corpulentos que dominam o espaço.

Quem vai perder negócio são os grandes chefes que praticam a gastronomia frugal e que reinventa a definição de qualidade e de opíparo. Não têm como combater a pulsão das gerações futuras pela comida que se desqualifica a si mesma. Habituados a saciar o apetite com doses industriais de comida-lixo, não serão clientes do fine dining: as doses homeopáticas e o preço (exorbitante, a seu ver) que se paga afastá-los-ão das experiências gastronómicas quintessenciais. Anteveem-se falências e a miséria para os chefes com estrelas Michelin.

A menos que eles sejam proativos e antecipem os problemas causados pelas gerações futuras. E se quotizem para uma campanha publicitária que apavore os jovens com os malefícios da comida-lixo. Um possível slogan é: “se te portares bem, não te levo ao junk food”.

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