3.5.24

Recolher obrigatório

Graffiti 6, “Calm the Storm”, in https://www.youtube.com/watch?v=fX9COjWpmX8

Se forem os fantasmas a povoar a noite, o segredo é o recolher obrigatório. As casas acautelam a intrusão dos fantasmas e nem é preciso exorcizá-los. O sangue continua a não ser febril e os sobressaltos são descontinuados na fronteira das  casas. O caos fica retido na bordadura das casas.

Mas os fantasmas não se amedrontam com as portas das casas. Não respeitam a titularidade das casas. Os fantasmas, como diletos demónios, são à prova de convenções. São agentes provocadores, querem meter-se por dentro dos alicerces das pessoas e impedir que elas durmam. Entram pelo mais ínfimo rasgão que descalafeta as casas. Colonizam-nas e, sob tortura, fazem perguntas sobre os moradores e os seus segredos guardados nas paredes caiadas, para depois atirarem sobre os sonhos encaminhados dos residentes. E as pessoas, desguarnecidas, ficam à mercê da impiedade dos fantasmas. 

É inútil o recolher obrigatório. Os fantasmas não respeitam a intimidade dos lares que se acolhem no recolher obrigatório. O alerta destina-se às pessoas, os fantasmas não entendem essa linguagem. São prevaricadores inatos, se lhes disserem “está em vigor o recolher obrigatório” limitam-se a perguntar a quem se destina, anunciando, com voz incendiária e desdém, que o recolher obrigatório não é para eles.

As pessoas descobrem que o recolher obrigatório está condenado a prescrever mal seja decretado. Não lhes interessa estimar os prejuízos na reputação de quem o decretou. Tanto faz saber se a autoridade deixa de ser reconhecida e se os efeitos da insubordinação a tornam ilegítima. As pessoas querem saber das coisas práticas: como se protegem contra a audácia dos fantasmas que atropelam o recolher obrigatório e as assaltam na profundeza das suas inquietações.  

As superstições podem ajudar a proteger dos fantasmas. As pessoas têm de descobrir o amuleto que assusta os fantasmas. Por tentativa e erro, até descobrirem o antídoto contra os fantasmas. Ou até descobrirem os fantasmas que atormentam os fantasmas que já invadiram as casas. O segredo é conhecer de ginjeira os seus próprios fantasmas para jogar contra eles os fantasmas que os amedrontam. As pessoas têm de ser detetives em causa própria. 

Às vezes, um incêndio é combatido através de um contrafogo. 

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