TV on the Radio, “DLZ” (live in All Tomorrow Parties), in https://www.youtube.com/watch?v=8WGyq7mUZA0
A desabituação da escrita manual provocou a decadência da caligrafia. Aqueles (como o acima assinado) que se habituaram ao teclado de um computador (ou de um telemóvel, ou de um tablet) esqueceram-se de como era a escrita tradicional – o sortilégio de uma caneta elegante, ou apenas o recurso a qualquer esferográfica indistinta, uma folha de papel e as tão diversas caligrafias, desde as que estavam capazes de vencer concursos de estética às que, de tão ininteligíveis, ficaram conhecidas como “letra de médico”.
À medida que a dependência do teclado faz o seu caminho, são dias e dias que passam sem que a mão direita (a esquerda, para os canhotos) empunhe uma caneta. Quando é exigível a caneta, porque uma tarefa não se harmoniza com um teclado (corrigir exames dos alunos universitários, por exemplo), o destreino causa um cansaço prematuro na mão tomada pela caneta. Acontece com a musculatura, ao passar da inércia para a atividade física aqueles músculos que estavam inativos dão de si e as dores chegam a ser lancinantes.
O pior é a decadência da caligrafia. A caligrafia (ainda) é uma marca distintiva da personalidade. Os peritos conseguem dizer muito sobre a pessoa ao examinarem a sua caligrafia. Mas a desabituação da caligrafia concebeu um efeito inesperado: quando se pega na caneta muito depois da vez anterior e se esboçam umas frases avulsas, a caligrafia não parece a do autor, como se as letras que acabaram de ser vertidas no papel não fossem o seu ADN. A caligrafia, que outrora era um traço distintivo da personalidade, deu lugar à homogeneidade que é ler um texto preparado nas teclas de um computador. E à falta de identificação com a caligrafia vertida em papel, quando a escrita manual tem de acontecer.
Seria a oportunidade para descer o chapéu do Velho do Restelo e lamentar a homogeneidade que se abate sobre nós ao ficarmos viciados em teclados. Mas seria um diagnóstico exagerado. Não é forma que nos distingue, pelo menos quando sondamos o lado que se esconde para além de um olhar superficial. O que nos continua a distinguir é o que escrevemos, não como escrevemos.
A decadência da caligrafia é apenas um sinal dos ventos que passam pelo tempo.
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