2.7.24

Revogar

Hania Rani, “Teenen”, in https://www.youtube.com/watch?v=b5460Oggjnw

As teimas tiram-se no oráculo onde o olvido se cumpre. É uma vingança, mas sem o perjúrio das vinganças. Uma assinatura indissipável, atropelando os contratempos herdados em sucessivas camadas da memória. 

A escultura parece inacabada. Vista de fora, ninguém diria. Um olhar criterioso desafia a convicção. A impressão de imperfeição adeja sobre a escultura, como se uma voz paternal garantisse a renovação dos tempos e tudo acabasse por ser uma meticulosa repetição do havido. 

Mas há espíritos insatisfeitos. Espíritos que não transigem com o contrabando dos sentidos orquestrado nos veios tentaculares que se movem por dentro de um labirinto ermo. Escolhem a rutura. Encenam palcos originais, uma mistura de cores nunca experimentada. Travam o avanço da monotonia que pertence ao exercício repetitivo dos que temem a mudança de alguma coisa. 

São os procuradores da revogação. Exigentes com a coreografia dos tempos, vestem-nos do avesso e não têm medo de serem olhados com desconfiança como párias que ambicionam o desestabelecimento de muitas coisas. Ao contrário dos inquilinos do estabelecido, não se assustam com a incerteza. Sublevam-se contra o presente desqualificado que condena as pessoas a viverem abaixo das suas possibilidades. 

Por isso, decretam unilateralmente a revogação de tudo o que seja espelho da decadência, mesmo que não saibam do verbo titulado pelo amanhã, mesmo que uma penumbra assustadora desmotive os espíritos comprometidos com a denúncia da decadência. Revogam, sem terem uma ideia do que vem substituir o revogado. Querem ficar lembrados, em memória futura, com os que não se intimidaram com a penumbra da aventura e condenaram a mediocridade à extinção. 

Depois, trazem às costas, em sacadas desarranjadas, a ossatura do que teve alcance pretérito. Vão a caminho de uma entulheira. Nem para memória museológica servem, esses destroços. Quando regressarem, vêm-nos dizer que a empreitada teve recompensa. Terão o cuidado de não negar a validade do passado. Mas dirão, enfáticos, que a revogação por si selada será a fiança do futuro, para dele não termos medo.

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