Dylan Cox, “Animals in the Kitchen”, in https://www.youtube.com/watch?v=l9do9prRBB4
A música habitualmente acompanha as empreitadas em que mergulho. Quase sempre como som de fundo, porque às vezes o silêncio entorta a concentração que o trabalho exige. A música ajuda a levitar o pensamento, mas não dou atenção à letra que a acompanha para não me distrair da concentração que o trabalho precisa.
A meio de uma tarefa, a concentração sofre um intervalo e só consigo perceber esta estrofe: “livable life”. A música é cantada por Dylan Cox (“Animals in the Kitchen”). A estrofe ficou a pesar no pensamento nos momentos a seguir, e nos outros depois desses, como se a atenção tivesse sido intencionalmente interrompida para o pensamento se deitar à estrofe e às palavras nela contidas.
Se pactuasse com a moda da tradução literal – que criou uma elite de falsos especialistas em dois idiomas – dir-se-ia que “livable life” é uma vida que pode ser vivida. Não se desconsidere a hipótese de alguns peritos mais sofisticados arrematarem uma tradução ainda mais literal e bizarra, inventando uma palavra que o dicionário de português não conhece: “vivível”. A tradução correta remete para uma vida tolerável, suportável. Uma vida de mínimos. Que, todavia, pode ser de máximos, se as circunstâncias não apoiarem um cálculo por defeito e aceitarem que um mínimo se traduza no máximo que as possibilidades admitem naquele lugar e naquele tempo.
Uma vida suportável parece um anátema. A insatisfação esconde-se nas entrelinhas: uma vida que meramente se suporta anda longe de ser ideal. Mas o que é uma vida ideal? Onde está a fronteira do que pode ser considerado um ideal de vida? Quem pode responder a esta pergunta, mesma se ela disser respeito à sua própria vida?
Se somos tão diferentes, diferentes são os critérios para avaliar a vida que levamos e a medida que lhes aplicamos. Não é isso que interessa, a não ser reconhecer esta medida de subjetividade. O único critério que conta é de quem o aplica. Sendo impossível atestar que, objetivamente, alguém leva uma vida apenas tolerável, a lente que interessa é a subjetiva. E se alguém se lamenta que a sua vida é simplesmente suportável, fica a impressão que essa pessoa reconhece as limitações que tomam conta da sua vida. É uma vida cheia de fragilidades. Reconhecê-lo inverte o ónus: só quem tenha uma força oculta consegue admitir as limitações da sua vida sem disso fazer um lamento.
Uma vida suportável é um hino à perfeição possível.
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