3.7.24

A sedução não é isso

Desert Sessions ft. Josh Homme and PJ Harvey, “Crawl Home”, in https://www.youtube.com/watch?v=pab8gea5YWY

Numa música de Sam the Kid, está enxertada uma frase nostálgica sobre a sedução, dita por Vítor Espadinha: “quando eu era mais novo havia uma coisa muito bonita que era a sedução.” O músico veterano parecer lamentar como a sedução foi exaurida pela modernidade. O artista convoca um romantismo que se perdeu pelo caminho do tempo a favor (ou, diria ele, em desfavor) de um pragmatismo que rima com a despersonalização do amor.

No tempo em que Espadinha se tornou perito na sedução, a sedução era um jogo de palavras e de gestos. A assimetria na interação fazia parte do código de conduta: o homem era o sujeito ativo da sedução, à mulher estava reservado o papel da seduzida. No jogo da sedução, ao homem era permitida uma semântica que veio a ser banida décadas depois. Não foi a única razão que ditou a ostracização da sedução. Também concorreu a alteração de hábitos. Seduzir alguém passou a ter um novo código, impessoal e trespassado pela igualdade: na sedução atualizada à modernidade (a sedução homeopática ou descafeinada – ou a sedução em vias de extinção), não só a mulher pode seduzir como essa sedução rompeu as baias da heterossexualidade.

Hoje a sedução é um jogo arriscado para quem a quiser praticar. Não se considera sedução o piropo boçal que cuida de arrematar a(o) seduzida(o) como se fosse um mero objeto ao serviço da(o) sedutor(a). A linguagem de taberna não quadra com a sedução, que nos seus tempos áureos era sofisticada, era um jogo de palavras e de atos que não era entendido como a perseguição da destinatária da sedução. Os sedutores eram requintados, punham a boçalidade fora do perímetro de segurança. Outrora, as seduzidas ainda não tinham sido sensibilizadas para a distinção entre sedução genuína e uma procissão de arrotos sentados sobre o pedestal da posição soberana do homem e da subordinação irremediável da mulher, a que não se pode chamar sedução.

O tempo, e a diligência dos homens e das mulheres (a ordem é arbitrária), foi corrigindo essas anomalias. A sedução foi sacrificada. A fronteira entre o que é sedução e assédio inclinou-se a favor do reconhecimento de casos de assédio. Os sedutores à la Espadinha teriam a vida difícil se continuassem a ser sedutores como aprenderam a ser no seu tempo. Grande parte da retórica de sedução seria hoje entendida como uma manifestação de assédio. 

Não tenho a certeza que isso seja necessariamente um progresso.

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