23.7.24

O que fazemos nos dias de sede?

Beth Gibbons, “Reaching Out”, in https://www.youtube.com/watch?v=JJeCBRhoXek

O estio é um inimigo. Ao contrário da maioria, que se desfaz em proclamações melancólicas quando o Verão atrasa o motor de arranque e o calor anda exilado, tenho como mau tempo aqueles dias exaustivos em que o mercúrio dos termómetros sobe dos trinta graus. 

O que faz um exilado do Verão num dia de canícula? A resposta lugar-comum é demandar urgentemente a sombra. Ao contrário do que está vulgarizado no cancioneiro popular, estar na sombra não é semelhante a ir para o desterro. Diz-se: quem atua na sombra não é tributário da honestidade. Aqueles que são acometidos por sombras vivem sobressaltados com vultos que vêm do nada. Um dia sombrio não colhe a sobriedade da luz que irradia para que os sorrisos não sejam meros esgares.  Ao contrário destas banalidades, uma sombra num dia carregado de calor pré-sahariano é providencial. 

Outra resposta na ponta da língua é recordar que devemos beber mais quando o corpo é acossado pelo calor. As opiniões dividem-se quanto ao que beber. Os puristas aconselham água, a mais saudável das bebidas. Os tradicionalistas, muitos com pendor proto-marialva, recusam a água (e agarram-se a uma patética sentença: “água, só para lavar os pés” – o que é esclarecedor dos seus módicos hábitos de higiene). Estes atiram-se à cerveja ou ao vinho ou a bebidas brancas que vêm convenientemente disfarçadas em doses generosas de pedras de gelo, para gáudio dos donos dos bares (e dos respetivos proventos).

Urinamos para lá da medida, enquanto o que bebemos a mais atesta o disfarce do calor que entra em todos os poros, fazendo suar a pele. O coração acelera, o simples suar sem sair do sítio roça o desagradável, e até dentro das casas o calor sufocante entra por todos os poros. Crescem as saudades de países setentrionais (até quando nunca foram visitados). 

Os exilados do Verão nem têm assim tanto para reportar no rosário das lamentações. Quem vive no litoral norte não é açambarcado pelo mesmo rigor estival que percorre longas temporadas em terras meridionais. Dentro de um país pequeno cabe um clima heterogéneo. Tenho pena pelos confrades dessas zonas, que são assaltados pelo mau tempo que atravessa o calendário estival. Devo olhar para a inveja que sentem de mim para não carregar na tecla do drama quando os acima de trinta graus continuam, por estas paragens, a ser a exceção à regra de um Verão temperado.

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