29.7.24

Proximocracia

The Comet Is Coming, “Technicolour”, in https://www.youtube.com/watch?v=VN5VtWncH0A

Parto do prato, vazio. Números e letras escoltam o olhar fechado, escuro. Dizem o que dizem e não me importo com a estirpe cantante das vozes errantes, das vozes que açambarcam um módico do tempo que me pertence. Sou essa estátua preliminar que voa no perímetro do horizonte. As bocas famintas passeiam pela berma do dia, não são suas as vozes intempestivas que misturam palavras num amontado que tortura as frases. 

Sou, gente-gente, orgulhosamente abraçado ao paço da indiferença, que todos temos nome, mas poucos o sabem. Poucos agarram a popularidade por tantos desejada, para sua própria profilaxia. (Se fossem o que não são, seriam delatores do anonimato violentamente obstruído.) As mangas escondem os braços transidos pela hibernação a que nos querem condenar. Como se a indiferença fosse estendida à ambição dos mandantes de nos atirarem para um lugar lúgubre onde as imunidades são despromovidas em nome do “bem maior”. Somos gente-gente, não apenas um número de contribuinte e outro de cidadão.

Se não estivesse puído o cais onde nos fazem esperar, não teríamos uma venda nos olhos, a boca dentro de uma armadura de espinhos, a língua proibida de se mover para não ser devorada por formigas atiçadas desde um ninho oculto. Seríamos, na antítese do que querem que sejamos, vozes poéticas entoadas no miradouro onde o luar fica à distância da mão, recusando a contrafação que dissipa a nossa maneira de ser eu. Queremos que os dias combinem com as rugas em que se transformou o rosto, para que os mais novos comecem a saber o significado de efémero.

As páginas que atapetam o chão estão povoadas por poemas avulsos. Dir-se-ia ser um sonho, que o chão não é compatível com a poesia (ou vice-versa). Apetece-nos que essa rua pedonal seja um enclave, retirada à soberania do demais. Um lugar reservado, onde mandantes e as regras ciclópicas que aprovam não têm direito de admissão. E nós, déspotas a favor da liberdade, poetas que transitam entre o verso e a prosa, apessoados pela nossa consciência (apenas), marinheiros que tratam os mares por tu, gente-gente de olhares feitos de carne, mecenas da vontade sem peias, combinamos os dias vindouros pelo acaso em que se esgrimem.

Cultivamos esta maneira esguia de sermos próximos sem sermos afins, porque as fronteiras são artifícios arcaicos que se esgotam na maresia que todos conseguimos haurir.

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