Big Thief, “Words”, in https://www.youtube.com/watch?v=G0BZoZ6hBnc
“Is that a question?”
Hoje acordei radical. Germinou um adubo insultuoso do radicalismo porque assisti a um debate abortado entre um radical e um não radical. Este, desafiado pelas afirmações insultuosas do radical, pela distorção intencional de factos e palavras a ele exteriores, tresleu, emendou ao lado, falou por cima do outro e consumiu-lhe tanta paciência que ela se esgotou, deixando o radical a falar sozinho.
E eu, que não tenho a menor simpatia com o não radical, senti um aperto tão grande a detonar a angústia que quis manifestar a minha solidariedade. Mas depois, descobri uma irritabilidade perante o sucedido que julgava ausente. Dei comigo a imaginar a reação que teria se estivesse a contracenar com aquele radical pequenino e risível na vez do não radical que se ausentou. Tive a impressão de que teria de sanar aquela atrevida impertinência com o exercício da força, que parece ser o último bastião de linguagem que gente daquela igualha conhece. Conhece, não como código de linguagem que alimenta a comunicação, mas como ferramenta que se sobrepõe à malcriada vozearia que anima o desrespeito sistemático por aqueles que não têm o albergar de habitar ideias diferentes das suas. Porque, admito o ultraje da proposta, esses falsos bravos só se intimidarão com a coragem física que os ameace silenciar. Os que recorrem à bravata são os primeiros a buscar refúgio no medo quando a integridade física é comprometida. São corajosos até a coragem se extinguir na covardia em que se acanham perante a razão da força exercida por outros.
Estes são os pífios exemplares que se socorrem da razão da força, por não saberem terçar a força da razão. Se sobre eles pender o mesmo procedimento, acovardam-se: são vítimas do seu próprio veneno, reduzidos a pequenos tiranetes subitamente emasculados da viril boçalidade.
Caio em mim: como pode um não radical servir-se de métodos típicos do radical que tanto desagrado causam? Pode um não radical cair nessa contradição interna, negando a condição que a si chama para se tornar um inaceitável radical à semelhança do radical desfeiteado? Desceria a uma civilidade talvez ainda inferior à do radical esbofeteado? Passaria a ser radical de diferente estirpe?
Logo a seguir, a maré vira do avesso para aquecer interrogações de sinal contrário: se os não radicais continuarem a fazer essas concessões aos radicais, deixando-os a falar sozinhos, não é destes a última voz que fica a pairar? Não é responsabilidade do não radical desmontar as táticas do radical para que não seja sua a última voz a soar até à manhã consecutiva? Deixar os radicais marcarem as regras do jogo não é condescender com a adulteração da civilização? Não teremos um dever de agir que anule as vitórias que estes radicais têm alcançado por capitulação dos não radicais?
Os cânones dos não radicais exigem que se ultrapasse a fronteira da decência que os separa dos radicais. Devem reger-se por uma gramática deliberadamente rejeitada pelos radicais. Sob pena de serem encomendados à trincheira habitada por radicais de variada linhagem, perdendo – definitivamente? – os pergaminhos de moderados. Do mesmo modo que em casos de crise, aqueles momentos em que estamos perante encruzilhadas determinantes para o porvir, temos legitimidade para recorrer à exceção para evitar que os desencaminhados tomem as rédeas e corrompam os valores moderados a partir dos seus alicerces, devíamos ser admitidos a falar temporariamente a linguagem de trapos dos radicais, usando contra eles os mesmos métodos que insistem em utilizar para corromper os valores herdados e nos quais não se reveem. Para que aprendam que a legitimidade que ganharam nas urnas não traduz o sentir da maioria dos que, entre radicais de outra cepa e um amplo espectro de moderados, recusam o labirinto boçal que querem tornar habitual.
Devíamos ter autorização, temporária autorização, para olhá-los de frente e assustá-los com a nossa coragem física, vendo-os encolhidos e tolhidos, alquebrados pelo medo. Para que, doravante, recuassem na agressividade que ampara a má criação e a falta de respeito que dedicam a quem deles discorda. Para repor um módico de moderação num espaço contaminado por radicais de estirpes opostas, que o máximo que conseguem é polarizar, arregimentando mais fiéis para as hostes do radicalismo.
Seria uma deriva temporária, justificada pela urgência em silenciar os radicais sem o exercício da censura que tanto lhes agrada e de que eles gostam de se colocar como vítimas. O silenciamento ocorreria pelo efeito típico dos dois negativos que se anulam, sendo um deles intencionalmente disfarçado só para obter aquele silenciamento de causa.
Chegámos a um estado de coisas em que deixei de acreditar que o melhor critério é deixar os radicais falar sozinhos. Quanto mais os deixarmos a falar sozinhos, mais se fazem ouvir. Por falta de comparência dos moderados, que não querem sujar-se na lama em que vegetam os suínos, muitos hão de ceder à litania dos radicais que, à força bruta, vão fazendo o seu caminho de normalização. Só se for à custa da apática cumplicidade dos moderados.