The Breeders, “No Aloha”, in https://www.youtube.com/watch?v=lt4um_Yl3r8
“Hope there’s someone”, dizia, desenhando o espectro dos desamores em que se consumia. Haveria uma alma de lhe estar destinada, desabando as insistentes profecias que o condenavam à solidão. Conservava essa esperança, remota, mas ainda viva.
Não sabia o que era amar. Tinha uma leve desconfiança: estivera enamorado na adolescência, quando a idiotice se apropria de tudo; e desconfiava que fora assaltado por uns súbitos impulsos já adultos, mas não estava seguro do que fora (porque nunca encontrou correspondência). Ninguém lhe tirava da ideia que amar é bom, faz bem à autoestima, dispõe melhor e, assim como assim, o Homem é gregário e deve encontrar uma companhia para a vida. Uma vida é grande de mais para não ser partilhada.
(Falhava, contudo, o teste de sentido contrário: a vida da pessoa com quem se partilha a própria vida também é de imensidão equivalente; se for partilhada, são duas vidas imensas que, pelas metades em que se somam, completam uma vida imensa. Nunca teve a lucidez para concluir o processo de validação aritmética que invalida a sua aritmética oportuna.)
Durante muito tempo, contestou a teoria apocalíptica de uma amiga. Segundo ela, as pessoas escolhem uma companhia porque têm medo da solidão. Não chegam a amar genuinamente. As pessoas são sempre instrumentais. O amor é uma ilusão, uma farsa se o diagnóstico alinhar com a severidade da desconfiança sistemática. Quando duas pessoas se escolhem e prometem que serão companheiros até ao fim da vida, investem na sua pessoal segurança contra a solidão da velhice. Não há o sortilégio intrínseco do amor. Não passa de um pretexto, de um fingimento dos sentimentos.
(Desafiada a definir o amor genuíno, a amiga tropeçava sempre na gaguez. Tal como ele, estava condenada à solidão imperativa. A inexperiência explicava o desconcertante atrevimento de definir conceitos que desconhecia por não ser praticante.)
Ainda esperava com a paciência digna de uma diligência desabitada. Haveria uma alma, não necessariamente gémea, de lhe estar ainda destinada. Talvez a amiga estivesse coberta de razão: o medo da decadência é amortecido se não vier acompanhado da solidão. Não há maior egoísmo do que procurar quem se diga ser a pessoa amada como fingimento para erradicar as dores da solidão.
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