Os heróis só existem na banda desenhada. Ou nos sonhos sofisticados de gente iludida com o contraste das cores quotidianas, os que se servem de fantasias para se anestesiarem do que os rodeia.
As pessoas continuam a precisar de heróis. São o oxigénio para poderem respirar algum ar qualificável. É uma fuga em frente. Não lhes interessa saber que possa haver um precipício à frente: quando caírem ao primeiro passo em falso, quando sentirem a velocidade do corpo a confirmar as boas teorias da física, e quando perceberem, numa fração de segundos, que não há heróis que os venham salvar do embate no chão, terão esses poucos instantes para se desenganarem, antes do epílogo.
Quem precisa de viver na sombra de heróis é quem não acredita em si e nos seus pares. É uma dupla falácia. Por serem tão arreigadamente pessimistas, precisam de entidades míticas que apenas têm existência na sua infértil imaginação. Parece que o pessimismo não é bem recebido na imaginação. Descrentes das possibilidades de gente tão mortal e frágil como eles, exilam-se na salvação oferecida por heróis que ainda não foram confirmados por fontes seguras. O fingimento nunca foi boa prática.
A alternativa por que arremetem é uma via alternativa. Evitam uma interrogação filosófica: considerar alternativa a alternativa a uma alternativa não é uma negação de termos? A anulação do enunciado? O escapismo detetado na adoração de um herói, ou apenas por se acreditar na sua existência, é uma fratura sem remissão. Nem que se invoque o direito fundamental ao sonho, mesmo estando acordado, fingir um fingimento não afasta os pungentes quadros que estão sempre a bater à porta das almas. Quando convocam a sua existência, cobrem o mundo com um verniz deslumbrante: se o mundo passasse a correr de acordo com a tela imaginária de que são curadores, o resto seria tão idílico que depressa muitas pessoas fartar-se-iam da perfeição.
As pessoas precisam de heróis porque sabem que não podem ambicionar a perfeição. Os heróis conseguem atingir essa condição – não se cansam de enfatizar. Só que os heróis são tão mortais como nós. As pessoas que acreditam nos heróis sabem que eles também morrem? A “hero’s death” pode somar-se às dores pungentes que as pessoas têm por pertencerem a este, ou a outro qualquer, mundo.
E os heróis também têm funerais, como as outras pessoas?
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