Hooverphonic, “Unfinished Sympathy” (live at Koningin Elizabethzaal), in https://www.youtube.com/watch?v=amFBqcl-SRs
“Madchester:” um lugar proscrito, por banalização da loucura; quem não conhece um expoente da loucura, a aritmética destronada por fantasmas que emergem ao entardecer e povoam as ruas, os rios, as casas por dentro, com as conspirações latentes que não se ajuramentam a um tempo só?
Aquele amigo que profetizava a loucura como estado permanente e, todavia, não visível, parece estar do lado certo da razão. As destemperanças do mundo desqualificam-no. A menos que se finja que as ruas por onde andamos sejam um lugar furtivo, escondido na armadura de um passado irreversível como caução das vozes que disputam um apogeu avulso.
E se formos servos da loucura que não sabemos habitar em nós? E se a nossa loucura, a modesta loucura que tinge o sangue, for aferida pela cumplicidade com um mundo que teima em errar por lugares que procuram a perfeição irrepresentável? Como daríamos resposta às demandas desarticuladas, como se ao estrépito do mundo respondêssemos com uma surdez intencional? Seríamos reféns, ou vítimas, das respostas imperativas às perguntas que se empilhassem numa ordem sem ordem?
Não me devolvo a um estado de pureza que nunca existiu. o simples nascer é expressão da cumplicidade. Dizer que somos vítimas passivas de um mundo que se armadilha de hostilidade é a expiação de uma responsabilidade para que não nos preparámos. Antes a metamorfose da loucura, os despreparos contínuos que salivam a providência insistente de quem diz não pertencer a este mundo, sem saber da existência de um outro que seja alternativa. Antes as figuras geométricas que convocam uma certa transcendência, como se um estado lisérgico fosse o avesso aceitável da loucura.
Se ao menos arrumássemos a loucura num domínio, passando a reivindicar a suserania de um estado tanto imaginado, seríamos senhores de uma tutela sem freios. As palavras seriam convocadas ao acaso, sem gramática a cumprir, apenas o desfreio necessário para quem se mobiliza no desejo de ser desamarrado de tudo. Se o conceito de loucura é esta transgressão, então seja reduzido ao mais elevado estado de loucura, com bandeira esfarrapada e hino contumaz a condizer. À espera de ser reconhecido, sem direito de admissão nos manicómios onde ninguém se esconde de quem é.
Fugimos. Fugimos de tudo com a sede de tanto querer saber e ver. A luz contrafeita despoja a nudez, virada do avesso no improvável advérbio da vida. Se fôssemos sentinelas, beberíamos a altivez da loucura nunca encomendada. Assim se formula a impertinência dos que atiram sempre a loucura porta fora. Os outros é que são vestais da loucura. Os outros é que se somam aos problemas. Os outros. E, todavia, eu.
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