Deftones, “Ceremony”, in https://www.youtube.com/watch?v=Kbl0aSRzvKg
Três chuveiros depois está um indivíduo a cantar. As pessoas dizem que há muitas pessoas que cantam enquanto tomam banho. Pela amostra, não se confirma o juízo popular. Todos estes anos de assídua frequência de ginásios e foi a primeira vez que um vizinho de balneário apareceu a cantar no duche.
O indivíduo era um medíocre cantor. Desafinava o bastante para desaconselhar a função. Fez bem em não deixar de cantar. Era o que mais faltava se houvesse um código de conduta, dos muitos que, castradores, se impõem, a limitar a liberdade de desafinar nas condições e nos termos escolhidos. O povo, que de si mesmo se diz tão sapiente, confirma que cantar é um processo heurístico para esconjurar os males que entontecem uma alma. Se o processo for completado por um banho retemperador, podem as pessoas ficar descansadas que os males se dissipam de vez. Pela força da voz desafinada e pela água balsâmica que segrega os males em barda.
Com a água do banho e a voz desafinada não há vultos que resistam. Mas não é garantia de desembaraço dos fantasmas limítrofes. Nem tutela de avistamento de proezas pessoais: ele há artistas que não primam pela assiduidade das águas do banho e que são reconhecidos como génios da sua arte. Fica assim provado que o banho, ou melhor, a falta dele, é a caução necessária para o génio artístico não se dissolver nas águas usadas do duche.
Os da vanguarda ambientalista propõem o espaçamento dos duches, para evitar que a água seja um recurso em vias de extinção. Dando crédito ao saber popular, estaríamos condenados a coabitar com os génios malignos que nos roubam os dias ensolarados. Mas há muitas personagens populares que não são amigas das águas que levam a sujidade dos corpos, pelo que não se pode estimar tanta a eloquência reivindicada. A causa dos ambientalistas é aceitável: as águas sujas, de tantos males nelas depostos através de um banho, vão ser a pior poluição que rios e mares vão receber, desarmados.
No chuveiro do lado está um indivíduo a cantar, assassinando uma cançoneta pimba que tanta popularidade granjeia. É como se os males de que se despoja entrassem pelos ouvidos dos vizinhos. Pois, lá avisa o povo afinal não sábio, os males de uns são os males dos outros. Pelo efeito de contágio das vozes assassinas de cançonetas pimba em pleno balneário do ginásio.
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