Wilco, “War on War” (live at Later with Jools Holland), in https://www.youtube.com/watch?v=JsNyEcVUles
As mulheres é que aguentam melhor a viuvez. Não se intimidam com a guerra que se abate sobre elas. Pois as pessoas, no seu vagar consuetudinário (mas não necessariamente válido), insistem que uma viúva fica sozinha no mundo, desprotegida, à mercê de todos os contratempos que a podem apanhar sem reação adestrada.
Mas esse saber consuetudinário é preconceituoso. As mulheres que enviúvam reagem melhor à ausência do que os viúvos. Se as pessoas convencionaram que uma espécie de guerra furtiva se cola à pele das viúvas, condenando-as à extinção num curto braço do tempo, elas provam a fibra de que são feitas. E dizem: “war on war”, que a solidão da viuvez não é uma sentença de morte; anunciam, com a rijeza que não lhes é reconhecida, que vão fazer guerra à guerra que o enviuvar inaugurou contra elas. E dizem ao tempo que pode esperar por elas.
O tempo é deletério para o homem que enviúva. São muitos os casos de um viúvo que não aguenta muito tempo a viuvez. Partem do mundo convencidos de que vão fazer companhia à consorte que tinha murchado antes. Eles é que são fracos. Não sabem terçar os dedos contra a solidão de que a viuvez é súbita procuradora. Mostram que não são ninguém sem a companhia delas. Há quem diga que assim se exterioriza o amor descomprometido dos homens pelas suas companheiras. Perdidos e sem norte, empenhados pela angústia, prometem-se ao mesmo estatuto a que a partida da consorte os condenou. Sem elas, a existência passou a ser irrelevante.
O juízo seria definitivo se o passado fosse obliterado. Se um estalinista exercício redesenhasse o tempo pretérito e os maus-tratos fossem deixados sem paradeiro, se a masculinidade tóxica que consagra uma convivência desigual na vida a dois fosse conceito vão, se a tirania do lar não tivesse sido padrão consensualizado, e o adultério garboso não merecesse indulgência social (de homem que não tem a sua amante, desconfie-se da sua inteira masculinidade – diziam os avoengos, carregados de orgulho próprio).
O despedaçar do viúvo é o efeito acumulado de todas as entorses passadas, de um egoísmo falsamente valente de quem perde a bússola da existência quando fica sozinho. A sensação de perda não é o equinócio de um amor celebrado postumamente; é a continuação por outros modos do egoísmo enraizado que é perpetuado pelas almas varonis conservadas em formol.
As viúvas não têm mais coragem. Talvez alívio seja o que elas sentem, sem o poderem confessar. Se o matrimónio e a gestão da família, assimilando a desigualdade que sempre condenou a mulher a um estatuto menor, a deixaram na sombra do “pai de família”, o “CEO” do agregado familiar que exercia a tirania com o beneplácito dos costumes assentados, enviuvar é um ato tardio de amor-próprio. E que poucas vezes as mulheres puderam exercer enquanto foram condenadas a estar na sombra do patriarca e a serem obedientes.
Enviuvar é, para elas, um ato de libertação. E nisso se encerra a coragem maior que lhes pode ser imputada, contra todos os diagnósticos que continuam a errar por excesso de virtudes e uma obnóxia complacência social. As viúvas são as generalas que põem qualquer guerra em respeito.
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