Deftones, “My Mind Is a Mountain”, in https://www.youtube.com/watch?v=eVqZrI9JE6Q
O gelo devia ser de uso obrigatório cada vez que se ateia uma discussão. Hoje é difícil manter uma discussão; é muito mais fácil matá-la. As ideias que se opõem são adulteradas, tornam-se um arsenal movido por hostilidade sem precedentes.
A tolerância passou a ser moeda fraca. Os beligerantes – é caso para assim serem tratados – não se apaziguam enquanto não maltratam os oponentes, deixando-os abraçados ao ridículo a que são reduzidas as ideias que propõem. Não se contentam com a exibição grotesca de quem sai vencedor de um litígio, como se uma discussão tivesse de ser um litígio; o triunfo tem de ser selado com o derradeiro ato: esmagar o adversário, como se tivesse havido uma metamorfose e se tornasse inimigo, como quem esmaga uma abóbora para se rir dos sucos saborosos que escorrem da humilhação do outro.
Esta tolerância distorcida mata por dentro a tolerância que devia ser hasteada quando alguém debate com outrem. É distorcida a tolerância porque os que se propõem a dobrar o braço dos oponentes, com a violência psicológica que for necessária (e, às vezes, até da física), só cultivam a tolerância desde que ela seja a ponte que se estende para a exibição da sua superioridade. Não se tenha tamanha tolerância em boa conta; não se tenha, até, em conta sequer para ser tida como tolerância. Os outros são idiotas úteis, atirados para o estatuto de inferioridade que serve para exaltar tanta magnificência. Quem assim se comporta não cuida de saber do ultraje que verte sobre si mesmo: um diálogo de surdos; ou, o que é pior, um diálogo de um só não é arma edificante quando se cotejam as ideias que diferem entre si. Não há pior modo de confessar o medo da concorrência.
Este esmagamento do outro viola a dignidade humana. Os beligerantes desta cepa deviam ter a lucidez de identificar os outros como tão pessoas quanto eles. Esmagar o outro não condiz com este estatuto. A metáfora ensina que são as baratas que se sujeitam a esmagamento quando se aproximam de um sapato diligente. Uma pessoa está muitos degraus acima de uma barata.
Só uma loucura não atendida, ou um excesso de confiança que vem pintado com as cores da loucura, explica por que beligerantes desta cepa ignoram que estão na linha de sucessão para serem esmagados pela irredutibilidade dos outros. O futuro dirá quando será a sua vez de serem sujeitos ao tratamento “smashing pumpkin”.
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