29.10.25

XX

Anna Calvi feat. Perfume Genius, “I See a Darkness”, in https://www.youtube.com/watch?v=57z_tFA52Xo

“Needless to say”: se o Homem se dedica ao autofágico maltrato mútuo, por que haveria de ser sensível ao mundo a si exterior? “Needless to say”, este naufragar interior só podia ser a tradução de um tratamento ainda pior dos elementos da natureza que o rodeiam.

Muito não se espere de uma espécie que hiberna num contínuo funeral de si mesma. Não é só porque as pessoas se tratam mal, desconfiam umas das outras, mostram incapacidade para aceitarem diferenças e, até, decaem para beligerâncias que as deixam num estado antropológico inóspito. Não se espere que sejam pródigas no tratamento dos animais, das árvores, dos rios e dos mares, do ar que respiramos. Esta é uma espécie vítima do etnocentrismo. Se nem entre nós somos corteses, quem poderia esperar que respeitássemos os animais, as árvores, os rios e os mares e o ar que respiramos?

“Needless to say”: as provas ficam à mostra, cativas de um pessimismo antropológico que não é defeito do intérprete, mas provocado pelos autores. Só que não podemos ser intérpretes sem deixarmos de ser autores. A condição de hermeneuta da espécie não nos habilita a sairmos dela para sobre ela pairarmos com um espírito inquisidor. Antes de sermos exegetas da espécie, somos um entre iguais. Não será a autocrítica que autoriza o deslocamento do eu para a sua órbita, como se ficássemos adestrados a fazer julgamentos desde um miradouro sobranceiro à lodosa planura onde os demais contribuem para a decadência da espécie. 

Há quem discorde: dedicar aos elementos exteriores a nós um tratamento ainda pior do que aos pares é sinal de indulgência em proveito próprio. Fica provado que, entre tanta maldade enraizada, entre tanta boçalidade que é o trato destinado aos demais, a espécie encontra alguma salvação. Os que não são da espécie são objeto de tratamento pior (e a palavra objeto não aparece por acaso nesta teoria que contratualizou a autocondescendência). 

“Needless to say”, quem arremata tamanha teoria precisa de reencontrar um astrolábio que o ajude a situar um lugar para o pensamento. Quem se contenta com uma lógica de mínimos não sabe, não consegue conviver, com mínimos que estão acima daqueles mínimos intencionalmente rebaixados. Os que acordam para uma inesperada bondade relativa da espécie, baseada no tratamento ainda pior do que o tratamento do que é a ela exterior, não sabem ser dignos da espécie a que pertencem. 

É a eles que se deve a vagarosa deriva suicidária a que condenam a espécie no seu estertor futuro. Porque maltratam os seus pares e ainda pior tratam o ambiente. Os dois fatores fundem-se num só: a anunciada morte lenta de um ecossistema inteiro, feito de pessoas e de ambiente.

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