1.3.17

Montanha russa


Damon Albarn, “Everyday Robots”, in https://www.youtube.com/watch?v=rjbiUj-FD-o    
O sono tumular não é bom conselheiro. Nem tão-pouco ser um bom madraço, ainda que seja tomando conta da ideia de que o tempo tem de correr devagar. Tudo é um rumor singular. Desenganem-se os que admitem que o tempo se repete só para não terem de temperar os desafios com anotação futura.
O corpo, que se entregue às coisas não rituais. Que os olhos não se despenhem sempre nas mesmas leituras. Sobranceiro ao parapeito delgado, por onde o corpo se intimida, há paisagens bucólicas que os olhos não conheciam. Tingem-se as fazendas nobres, e as menos nobres, com as cores macias que extasiam os sentidos. Que não se aceite – e se denuncie a preceito – a letargia assinada em páginas iguais. Entregue-se o corpo à montanha russa, mesmo que o sobressalto dele se apodere nos solavancos inesperados, nas subidas e descidas íngremes e sem pré-aviso, no vagar do corpo que dá lugar a um frémito repentino.
O corpo fica adestrado para os imprevistos que plano nenhum é capaz de sopesar. Continuará a haver uma montanha russa, várias montanhas russas, por experimentar. Até aquelas que não se queria experimentar. O corpo terá as cicatrizes capazes para arcar com as demandas sem anotação no caderno de encargos. O tirocínio exige criteriosa seleção das demandas. Por vezes compreende-se, com o devido erro não estimado, que uma demanda pode conter risco, um risco tão grande que intimide à partida. A avaliação a destempo não propicia critério razoável. Que não se tirem conclusões antes do tempo. Em tudo se tornando arrevesada função, sobrepesam as incógnitas que não deixam espreitar uma nesga sobre a matéria intransitável do porvir.
Só os penhorados do tempo presente dele se esquecem para procurarem destapar o véu do porvir. Oxalá conseguissem, como método alternativo, embarcar numa montanha russa e saber que, enquanto passageiros dela, o portal do tempo abre-se num hiato e o tempo mete-se num parêntesis. Não é negação do tempo que chega às mãos de cada um. Às vezes, é preciso encontrar um tempo vertical, uma imagem (idílica ou não, não interessa) onde se apascentam os sonhos que dão corda aos passos alinhavados no tempo vivo.

Sem comentários: