This Mortal Coil, “With
Tomorrow”, in https://www.youtube.com/watch?v=W_7_PbroaSM
Dizia-se, à boca pequena (para não
ofender os costumes hodiernos, de matiz hedonista), que as pessoas se demitiam
do pensamento. Dava trabalho. Na maior parte dos casos, quando as pessoas
arriscavam pelos corredores do pensamento embebiam-se em intrincados novelos
que iam dar a lugar nenhum. Na maior parte das vezes, passear pelo território
do pensamento era a medida certa para ser atirado para o canto onde vegetam os
aberrantes. O governo não podia pactuar com a desvalorização do pensamento. Não
queria tutelar, por meio da representação que lhe era confiada, gente abúlica. Queria
gente adestrada no pensamento, desafiada a desfraldar os interstícios do
pensamento, nem que fosse só para ver onde ia desaguar o pensamento libertado
das amarras.
Ao anunciar a sua intenção, o chefe do
governo voltou a esbarrar na perplexidade dos jovens turcos seu séquito. Incomodados
com a ideia, advertiram para o perigo de deixar o pensamento à solta. Estavam com
a mira afinada para o pensamento crítico, porventura o que teria voz mais ativa
se o direito ao pensamento fosse entronizado num lugar institucional. Podia ser
mau para a propaganda do governo. O chefe do governo insurgiu-se e disparou uma
pergunta que deixou os jovens turcos lívidos e sem resposta: “e vocês, quando andaram a estudar em
afamadas universidades estrangeiras, não aprenderam a cultivar a liberdade de
pensamento?” (Por estas alturas, o chefe do governo começou a intuir que o
prazo de validade dos jovens turcos estava a extinguir-se.)
A instalação do ministério do
pensamento começou a ser tratada. Seria um lugar sem instalação física. Um
lugar na Internet, um portal acessível a qualquer pessoa que quisesse depor um
pensamento e que o oferecesse ao escrutínio dos demais. O ministério do
pensamento seria o ministério com menos funcionários. Teria um ministro, um filósofo
a recrutar numa universidade conceituada, sem qualquer ligação ao partido do
governo. No ministério iria trabalhar uma equipa de poucos filósofos. Teriam
como tarefa apreciar os pensamentos publicados e instigar a discussão.
Sem surpresa, apareceram críticas ao
ministério do pensamento. Uns, próximos do governo, fazendo coro com os jovens
turcos que começavam a cair em desgraça, temiam que o ministério fosse a oportunidade
para desmerecer as políticas do governo e a governação em geral. Outros,
acusaram o governo de promover a distração do essencial com decisões que
atiravam as pessoas para coisas acessórias (não dando o valor devido ao
pensamento). Outros, ainda, temendo o pensamento sem freios, usaram o pretexto
que as pessoas não estão preparadas para usar o pensamento e, portanto, o
ministério do pensamento seria inútil. Sem saberem, todos os críticos convergiam
na redução do pensamento a uma coisa insignificante, talvez por serem paradigmas
do mau uso do pensamento.
Ao cabo de um par de anos, o país
estava cheio de filósofos. Nas universidades, o curso de filosofia tinha
renascido. Não havia memória de tamanho, e súbito, enriquecimento do país.
Sem comentários:
Enviar um comentário