Childish Gambino, “Redbone”
(live), in https://www.youtube.com/watch?v=ezbsbkqoRrs
Era um lugar-comum na vida de muita
gente: os sobressaltos julgavam-se erradicados (ou, pelo menos, anestesiados) com
a intermediação do álcool, de drogas. Desde que experimentou o vodca e sentiu
que o inverno já não o deixava enregelado como ao início, habituou-se. Todos os
dias, várias vezes por dia, na companhia de más companhias (é assim que se diz,
não é?). Tamanho era o desacerto que, quando deu conta, depois de cair em
ressaca ao cabo de consecutivas embriaguezes, estava em Vladivostoque. Do outro
lado da Ásia, com o olhar fixado no oceano Pacífico, no avesso deste mar já o
continente americano. Mais uma vez, não soube como ali chegou.
(Soube uns tempos mais tarde, em
conversa com um dos estroinas que o desencaminhou para a viagem clandestina no
Expresso do Oriente: o parceiro de bebida servia à mesa no comboio e desafiou-o
para a viagem. O carteiro em sabática não tinha de pagar bilhete e podia
partilhar a camarata com o amigo de circunstância. Com a promessa suplementar
de reabastecimentos contínuos de vodca. Não deu conta de a viagem passar. Quando
despertou do torpor do álcool, estava em Vladivostoque. Ao menos, voltou a
sentir temperatura amena.)
Tudo isto tinha de parar. Quando julgava
estar a empreender a vagarosa viagem de regresso a casa, deu consigo nos antípodas.
Ainda conservava umas poupanças que tinha de gerir com zelo. Talvez não
chegassem para a viagem. Teria de arranjar uma ocupação que fosse preparo para o
necessário aforro, afinal a caução que o separava do regresso a casa. Era a resolução
nos momentos de sobriedade. O mal era quando a mão agarrava um copo de vodca e,
um atrás do outro, despejava as contrariedades amealhadas no fundo de sucessivos
copos vazados. Nesta altura, renegava tudo o que evocasse o tempo vivido na terra
onde nasceu e trabalhava. Parecia endemoninhado, ou a terra onde tinha casa
parecia ter sido tomada por um bando de demónios que o afugentavam para todo o
sempre (pelo menos, enquanto estivesse etilizado).
Era imperativo resolver estes
sobressaltos interiores, a descompensação contínua em que se achava. Convenceu-se
que teria de se aconselhar junto de um perito em dores da alma. Haveria algum
qualificado em Vladivostoque? E, em havendo, podiam esbater a barreira dos
diferentes idiomas de que eram falantes? Começou a recolher informações. Encontrou
um especialista que se formara na Austrália. Decerto falava inglês, o que
tornaria a comunicação – e, afinal, o propósito do aconselhamento – inteligível.
No mesmo dia em que marcou consulta
(a ocorrer dois dias depois), decidiu fazer uma cura de álcool. Era o prólogo
do tratamento. O primeiro passo para defenestrar os fantasmas e derrotar a fuga
errática que o vinha afundando na decadência.
Sem comentários:
Enviar um comentário