16.3.17

Prolegómenos


Slowdive, “Star Roving”, in https://www.youtube.com/watch?v=ogCih4OavoY    
Deita-se o tempo numa marquesa, espalham-se os instrumentos em cima da mesa, são escolhidos com a sapiência possível. Alinhavam-se as costuras de um plano. Com a diligência de quem se assenhoreia de um leme que toma entre mãos como mandante do porvir. Com a importante determinação de fugir da errância.
(Só que, às vezes, as consequências opacas do tempo fazem avivar no pensamento como são tolos os planos: as melhores coisas que sobem à superfície são as inesperadas.)
Depois, nos próprios interstícios do tempo, ele mostra-se madraço, irresolúvel, extático no consumo das partículas apalavradas para a posteridade – sem a segurança de que esse tempo terá visibilidade. Por mais juras que se façam aos planos ainda vivos em cima do estirador, as intempéries embaciam-nos. Gastam-se os seus rudimentos, no entretenimento dos prolegómenos que se eternizam. Não se pode dizer que as coisas ficam pela metade, pois nem longe desse estalão se quedam. O rosto descai numa melancolia sem freio. Os braços caem, perdem-se na vastidão do vazio de onde não trazem nada. Ficam perdidos numa estepe (por localizar) os rudimentos que prometiam a instrução dos planos que os prolegómenos, na sua absoluta feição, não deram caução. E, todavia, sem os prolegómenos, os planos esculpidos não faziam sentido.
Uma concessão: é preciso começar por algum lado. Os alicerces fundeados com a certidão habilitada são o passo primeiro para que os planos possam medrar. São seu pressuposto de validade. Mas a demora dos prólogos exaure o resto. Assim demorados, têm uma validade que é paradoxal: suicidária. Os prolegómenos só não podem ser perpétuos porque, ao serem extemporâneos, esvaziam tudo o resto.
O que torna a empreitada difícil é saber separar o que faz parte de um prólogo e o que é ingrediente das etapas em que se decompõe um plano. A linha de fronteira é ténue e ambas as coisas se podem confundir. Ou as etapas acabam por desmembrar o plano, tornando-o fátuo, quando se anda em círculos e as fruições do passado desaproveitam o tempo que importa reter. Por causa da linha perene dos prolegómenos. Sempre prolegómenos. E só prolegómenos.

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