Sonic Youth, “Incinerate”,
in https://www.youtube.com/watch?v=rP3ovD8ZSS4
O efeito dos pesares contínuos: nunca
se acaba por ter mão em obra feita. Adiam-se as coisas arregimentadas no plano
de empreitadas futuras. Na melhor das hipóteses, as coisas ficam-se pela
metade, ou nem tanto, e deixa-se de ter tento na existência própria.
É como se tudo fosse levado numa etérea
condição, um parêntesis global entre os espaços em branco deixados nas frases
por acabar e, no final, um arrazoado de palavras que não chegam para formar
algo de inteligível. Erradamente, toma-se o adiamento como um efeito balsâmico.
Para amanhã ficará o que a preguiça (ou a falta de coragem, ou apenas a
timorata iniciativa) não deixou caução para que fosse hoje.
Entra-se num modo de hibernação,
quando já não é possível saber o que é fingimento e o que ainda não entrou
nesse campo. Há cinzas espalhadas pelo chão e não se sabe como lá foram assentar.
Nem se sabe como foram depostos os ossos alquebrados em sua condição frágil: a
ossatura deixou de ser um alicerce e arqueia-se ao menor dos ventos. Dir-se-ia:
também as árvores se inclinam sob a escolta do vento e não partem (a menos que
o vento se levante, tempestuoso); mas as árvores foram feitas para dispensarem
ossatura e os seus ramos apenas são frágeis por fora. Dirão ainda: se houver
incêndio ateado numa floresta, as árvores são consumidas sem agravo – mas os
ossos resistem ao tempo abrasador, não se inclinam perante o fogo desautorizado.
Não interessam as comparações, nem
para efeitos de conveniências metafóricas. A inteligência não se banaliza com a
capitulação, nem com o temor das empreitadas, sobretudo quando a sua congeminação
presumível basta para que um deus-dará maquiavélico tenha vencimento, para um
sobressalto contínuo embaciar a lucidez requerida para alinhar ideias com
sentido. Os ossos podem ser fracos. Que se saiba, ao menos, não há fogueira que
chegue para os tornar calcinados. E isso que chegue para repavimentar a duração
dos ossos frugais.
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