Hot Chip, “Ready for the
Floor”, in https://www.youtube.com/watch?v=yhASu2OjEcQ
Impunha-se um ministério que versasse
sobre as obras por fazer. Um dos jovens turcos que eram visita diária (e
demorada), advertiu:
-
Mas, senhor primeiro-ministro, isso não pode ser confundido com um ministério
da propaganda? E, em assim sendo, não pode o glorioso governo, um governo ao
serviço do povo e, em especial, dos oprimidos, ser confundido com a execrável
direita?
O chefe do governo não se importunou
com a adversativa:
-
Não exageres. Não lhe vamos chamar ministério da propaganda. O seu nome será
ministério das obras por fazer. Não existe em mais nenhum lugar. Continuaremos
a ser de uma originalidade desarmante.
Outro jovem turco, perplexo com a
linha argumentativa, tomou a palavra:
-
Senhor primeiro-ministro, deixe-me recordar que a originalidade é importante,
mas não é critério suficiente. A originalidade deve vir de braço dado com a
substância. Não leve a mal, mas não estou a entender a ideia de criar um ministério
para gerir obras que estão por fazer.
Paciente, o chefe do governo empossou
ares professorais, como se precisasse de aconselhar os jovens turcos que eram seu
séquito próximo com o exato propósito de o aconselharem na governação.
-
É claro que já pensei em tudo. Um ministério das obras por fazer é uma espécie
de mnemónica. Para que os cidadãos sejam lembrados do que ainda temos de
construir para melhorar o país. O ministério das obras por fazer será o fiel
depositário de um contrato-promessa entre o governo e a população. Nele serão
guardados, com a solenidade de documentos lacrados por notário, os planos do
governo para os tempos vindouros.
Os jovens turcos agitaram-se. Ficaram
sobressaltados com as ideias do chefe do governo. (Um deles, se confessasse em
público o pensamento que o tomou de assalto, diria que naquele momento se
interrogou o que teria o chefe do governo bebido ao almoço. E quanto.) Nenhum deles
ousou importunar sua excelência. Sentiam que o chefe do governo estava a dar
por concluída a conversa e o assunto. Se dúvidas tivessem, aclaravam-nas com as
palavras do chefe do governo que se seguiram.
- “Presumo que o vosso silêncio dá o assunto por encerrado.” Ato contínuo,
dirigiu-se ao secretário instruindo-o para “anotar,
na agenda de trabalhos do próximo conselho de ministros, a criação do ministério
das obras por fazer.”
Destarte, a população seria periodicamente
informada dos elefantes brancos a criar algum dia, não fossem a míngua de
recursos e a batuta dos credores internacionais ditar que as circunstâncias
jogassem a desfavor dos planos do governo. Ao menos, ninguém podia acusar o
chefe do governo de não inscrever boas intenções no devir do país. Seria essa a
serventia do ministério das obras por fazer: para as pessoas saberem quão magnífico
e incomparável seria o seu país se o chefe do governo pudesse governar sem
espartilhos externos e com o dinheiro que não há.
Afinal, dever-se-ia chamar ministério
da propaganda, não imperasse o pudor semântico.
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