7.9.17

O fim das framboesas

Royal Trux, “Back to School” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=4zkhll8wfqA    
As nuvens comparsas dos campos que estiolam, presságio do outono que se adivinha. Cores desmaiadas. E os frutos: ora arrancados à epiderme e despojados no chão, ora em decadente pose, teimosamente agarrados às ramagens, sem darem conta do seu mirrado estado.
Há quem se entristeça. Ajuízam o outono como a época em que tudo fica refém de uma desmaiada condição. São vencidos pelo apressado olhar, desprezando o fermento de uma demorada observação das coisas. Parece-lhes o fim dos tempos. Em desabono da memória (e do conhecimento), que levitam as escalas em que se demora o tempo, na sua iterada demanda. Nada tem um fim. Dizem: têm os corpos na sua finitude, têm as frutas e as flores quando se ocultam do seu viço e hibernam, escondendo-se do inverno hediondo. Servem-se da outonal estação como preparação para os rigores que se esperam. É a prova que o outono não é sequer a antecâmara dos pavores semeados pelo inverno; das suas mãos, o outono confere a armadura em que se escondem os frutos, as flores – as pessoas intimidadas com a invernia. O olhar apressado não é juiz confiável.
Assustam-se as crianças quando passam no jardim das framboesas e reparam na sua ausência. Algumas choram. Têm medo que as framboesas tenham definitivamente evaporado mercê de um místico golpe de asa de uma malévola entidade. Nesta idade, fervem os mitos urbanos (sob a capa de eufemismos outros). Essas crianças sentam-se no beiral do jardim, erram pelos seus caminhos frondosos, e evocam as delícias do jardim das framboesas quando estava tingido com os frutos no seu carmim edulcorado. É estranho, o pesar. Grande parte das crianças não gostou de provar as framboesas, o paladar talvez ainda impreparado para a astuciosa acidez misturada com a doçura disfarçada dos frutos. Acontece frequentemente com as crianças: delas se diz que comem mais os olhos do que a barriga. As framboesas não deixam de ser apenas um ingrediente que embeleza a paisagem, como se delas constasse o material semiótico que explica o esplendor de um quadro realista.
Não acontece só com as crianças. Os mais velhos seguem, pela vida fora, hipotecados à anestesia dos sentidos que destravam as primeiras impressões, inebriados pelo que é dado a conhecer aos olhos, sem paciência para desenharem conclusões validadas por uma impressão mais demorada (e não volúvel) que os demais sentidos tragam ao regaço. Quem pode censurar as crianças quando decaem em prantos ao julgarem a finitude das framboesas na vetusta nudez do jardim que as acolhe?

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