Anohni, “Marrow”, in https://www.youtube.com/watch?v=Rb9XECErMlc
Dentro do paradigma de uma tempestade sem
freio, a pele coberta pelas sombras vertidas no iconoclástico parecer. Podem as
condições supor a frágil pertença e apenas um fio delgado, frágil também,
prender a existência, separá-la do irremediável perecimento. Mas não se
capitula. A insistência, que pode roçar a teimosia, provém da tremenda vontade
de viver, sem outro senão que não sejam as doses interiores de pesar que se contrapõem
à força necessária para derrotar os sobressaltos.
Parte-se na demanda das forças imperativas para
a função. Passando a carne sob a pele, passando o labirinto de veias, atravessando
a ossatura que, dir-se-ia, sobeja para arcar as forças precisas para domar as
intempéries. É preciso ir ao mais fundo que temos, à medula que gravita por
dentro dos ossos. Intui-se que não chega a pétrea condição dos ossos; exige-se
algo mais robusto, a medula que cimenta a ossatura inteira e o resto. Os alvoroços
não podem ser enquistados numa capitulação. Por mais dantescos que sejam, se os
alvoroços nos dobram o braço não entramos no templo enfeitado com as coisas
belas que conferem vontade à existência.
Sem inquietações, o seu oposto perde
substanciação. Deixamos de saber o que merece ser emoldurado nas paredes onde
podem (assim queiramos) desfilar as memórias que merecem púlpito. A existência
acaba sitiada pela indiferença, se estiver ausente a capacidade para desenhar
desafios. Emacia-se a medula. Ficamos mais frágeis, impreparados para o xadrez
sem regras para onde somos atirados. É um jogo ingrato. As forças intimidatórias,
as que ameaçam cercear o sossego que se deseja contagiante, sobressaem da nossa
fraqueza. Uns grãos na engrenagem, e se a vontade não se arregimenta para
pleitear contra as ameaças que se perfilam, depressa deixamos para trás o contágio
positivo e somos alvos fáceis da contaminação dos piores instintos. Recusar a
transfiguração exige que as mãos mergulhem profundamente até deixarem de ser
vistas, até conseguirem tocar na medula necessária, trazendo-a à superfície,
matéria salvífica.
Há quem diga que isto tudo não passa de metáfora.
E o que conta é o alistamento da vontade, assim ela se desprenda das hipotecas
que pesam sobre o firmamento.
Sem comentários:
Enviar um comentário