22.9.17

Talassoterapia

The XX, “Intro”, in https://www.youtube.com/watch?v=5ANlWQy7-I0    

Venha a mim o mar gigante, as ondas furibundas despenteadas pela nortada sem domador, a espuma mortiça desfeita em beijos no areal molhado. O mar lânguido, lençol negro quando debruado pela noite em forma de trevas. Descanso as mãos no mar refrigério, sem medo da sua tempestuosa cor, sem medo do sal excessivo que destempera os iracundos desejos, fazendo-os retornar à casa da partida, reembolsados. Vou ao mar, ávido, depois de uma temporada dele apartado. O mar como particular trevo de quatro folhas. O mar como veio do desejo indómito. Detenho-me onde o mar bordeja a margem cintada da areia e projeto o olhar sobre o entardecer, onde o mar se funde com a linha do horizonte. Deito o olhar para depois do ósculo apurado entre mar e céu, como se desvendasse no oculto emaciar do céu tingido pelo mar um opúsculo de bondade, a fonte sacramental de onde dimana a água balsâmica, a água que mapeia os sentidos dantes contumazes. Vem a mim o mar temporão na alçada dos meus pés sem tamanho. Digo-lhe as estrofes agitadas no sargaço de pesadelos medonhos, todavia sem recear pela sua vigilância em intempestivas partidas algures, todavia desalfandegado de tamanhos pesadelos. Não consigo se não organizar as palavras desarrumadas com o mar por testemunha, como se dele proviesse uma força telúrica, uma lava oculta, e nas costas das ondas sondasse os segredos (se houvesse préstimo nos segredos, assim desalinhados na curvatura das desalmas). Meto os pés na água álgida e estremeço: não é do frio, é por ser ungido pelo mar translúcido, a sua pureza singular, compasso dos diademas orquestrados em sobressaltos assim dominados. Ao mar vou desaguar ao cabo das fachadas sombrias, logo caiadas a preceito pelos dedos que se misturam com a água neles pincelada. Dou a fortuna que tenho pelo mar que me vê através da escotilha matinal. Só ele sabe os segredos meus. Quando a finitude tomar poder no sortilégio do tempo distante, façam do mar as cinzas minhas assim depostas.

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