This Mortal Coil, “Late
Night”, in https://www.youtube.com/watch?v=9S5xonZ0z9M
(Em
discurso direto, a partir da lente desfocada de um narrador que se vê de um
tamanho maior do que o esperado ao espelho.)
Rufias são os que pavoneiam o saber do saber
vertido nos livros. Impantes, só sabem o que aprenderam através das palavras
dos outros. Só os lustros injustos do mundo os admitem a cátedras que não
merecem. São catedráticos do lugar-comum, sem saberem arregimentar a
criatividade que, essa sim, devia ser a medida usada para separar os sábios de
saberes e premiar os que são credores de encómios.
Quando comparo a opinião deles com a opinião minha
sobre tudo e mais alguma coisa, não vejo diferença. Corrijo: vejo diferença:
eles não se distinguem pelo saber, a não ser pelo saber que reproduzem entre
si, uma endogamia que os protege a todos. Para fecharem o escol a que
pertencem, tornando-o inacessível a não ser aos que de tanto serem pajens acabam
por ser admitidos na confraria, escudam-se em cânones obtusos, variegadas
regras herméticas que excluem das cátedras sociais os que não pertencerem ao
escol. Não chega respeitar esse compêndio formal: há que elogiar os gurus,
reproduzir o seu conhecimento (mesmo quando ele é apenas reprodução, em versão
adaptada, do conhecimento que vem de trás), trautear as mesmas lengalengas. E cair
nas suas boas graças. É um conhecimento falaz. Cingido às baias por onde
circula o conhecimento ostentado como matéria só ao alcance de sábios. Gostam de
ser tratados como sábios. Eleva-os a um pináculo de onde exigem reconhecimento.
Esmagam os outros com a sua perícia inatacável – e fazem gala dessa soberba com
que esmagam os fracos. Concluo a correção: a opinião destes gurus não chega aos
calcanhares da minha. Eu, que não cheguei ao estatuto (porque nunca quis).
(Nota do
narrador que vistoria a narração do narrador direto: informação passível de
desmentido: o narrador direto frequentou os meios que podiam ter dado acesso à
cátedra. Ambicionou-a. Acabou excluído. Ele argumenta que foi por manifesta
injustiça, preterido por outros que não tinham melhor jaez, a não ser a diligência
de adularem os gurus. Omite este pergaminho fracassado.)
Tenho a certeza que não perdia um pleito em
forma de debate, se viesse para o tabuleiro da discussão em coincidência com
esses catedráticos. Eu sei de tudo um pouco. Mas muito. Recolho informação em
fontes fidedignas.
(Desmentido
do narrador indireto: não passa de informação superficial, infundamentada quase
sempre, obtida em fontes que só informam frívolos pregões sem substância, com conclusões
apressadas que se estribam na vontade do narrador que ele quer que se confunda
com ciência à prova de bala.)
As minhas opiniões, fecundas e prolixas, têm o
condão de esmagar a concorrência que não tem veleidades de o ser. Perguntem-me
sobre tudo e mais alguma coisa. Tenho resposta para tudo. Sou um pouco como os
curandeiros que curam maleitas diversas de olhos fechados. E ai de quem tiver o
topete de me reduzir à insignificância, que trato, sem demora nem contemplações,
de decretar terrível julgamento ad
hominem, tão devastador que não sobrará pedra sobre pedra do irradiado.
Tanta ciência, embora não reconhecida (para
infortúnio dos que têm estreiteza de ideias), não deixa sombra de dúvidas.
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