Tricky, “Puppy Toy”, in
https://www.youtube.com/watch?v=irMr0qX8jNs
Era mais fácil quando se aprendia a fazer de
conta, ou quando a instrução comandada desde o mais profundo interior mandava
cobrir com flores alindadas as mesas por onde se faziam as leituras do espaço e
do tempo.
Tudo se simulava numa espécie de beatitude que
compunha um refrigério interior. As alvoradas despejadas de nevoeiro e os dias necessariamente
soalheiros rimavam com a tolerância do ser que podia medrar nos palcos
atamancados de palavras rosáceas e de gestos marmoreados com doçuras enfim celestiais.
Que interessava? O embuste de tudo pode ser o mal necessário para tolerar a
existência própria, ela já de si aparentemente descomposta pelo “inferno que são
os outros”. Porventura, os outros são um inferno porque o inferno procede de nós
mesmos. É uma desconstrução do óbvio pessimismo que é critério para ajuizar a
espécie. Mas somos um pequeno ingrediente da majestosa espécie; como podemos tomar
conta de tamanha sobranceria?
Nada disso interessa, no fim das contas. Pois se
o método for invertido, se se começar por admitir as tremendas incapacidades
que fluem pelas veias próprias, talvez seja mais fácil apoderar do método cáustico
que é o filtro dos outros. Tomem-se as crianças, por exemplo. Pobres, as crianças,
mergulhadas num pueril desconhecimento do que as espera. São felizes enquanto
pavoneiam a incredulidade perante as paredes impressivas que serão matéria tátil
lá mais para diante, quando o tempo deixar de ser um arremedo que as aparta de
serem personagens reais. Passeiam uma soberba própria, a leveza crua de quem não
carrega peso às costas. As cores garridas desta felicidade, nos lúdicos
momentos que ostentam enquanto se divertem numa praia, dentro de uma piscina,
em atividades circenses especialmente preparadas para elas e que apenas
prolongam a sua infantilidade, são uma abjeção total.
Dir-se-á, em contramão desta refinada acidez
analítica: não se trata apenas de inveja por já não ser possível, ao olhar do
observador que assim se contrista, regressar à impossível inocência dos
petizes? Não é o caso. A infância está bem arrumada numa gaveta que, por ação
do tempo malvadamente imorredoiro, se lacrou a sete chaves. As mesmas vozes
antagónicas poderão ainda indagar, em jeito de desafio, se há remédio para a
crua descrição que agride o olhar. Não compete oferecer refutação. Limito-me a
descer de um pedestal sem esteio, o pedestal onde se entronizam os trágicos
aduladores do lirismo, dando conta de como é ardilosa a peregrinação de
contentamento em que se exibem as criancinhas. Porque é uma exibição condenada
ao efémero.
Poderão, então, rematar as mesmas vozes: há remédio
que se oponha a esta megalomania não intencional? Se forem descontados os pueris
exercícios circenses que pretendem o prolongamento da infantilidade, não há
nada a fazer. Nem sequer para os que contrapõem a rígida dureza despojada do,
talvez, mais consentâneo lirismo.
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