Queens of the Stone Age”, “The
Way You Used to Do”, in https://www.youtube.com/watch?v=YNuTgTCHbV8
Não chegam os mapas que rastreiam as
porosidades da cidade, rua por rua, sem deixar casa por esquadrinhar. Por mais minúcia
que seja colocada na cartografia da cidade, há espaços não apreendidos, lugares
que passam incólumes aos instrumentos de observação, como se houvesse uma
dimensão paralela que oculta esses espaços do olhar. E, contudo, escondidos,
eles têm existência. Quase sempre, existência que se resume a uma prolongada
pungência para quem nesses lugares se encontra no lugar de vítima.
O dialeto da violência tem miscigenação com o
idioma vulgar. Até os mais atentos, os puristas da semântica, poderão não notar
as diferenças. Uma vírgula fora do lugar, um erro na ortografia que passa
debaixo do olhar escrupuloso, mas, todavia, capaz de cair no logro da distração,
ou apenas de ser presa do olhar cansado, de tanta função ser diligente
provedor. No âmago do dialeto da violência há uma vertigem pela violência em
estado puro, a violência gratuita, laboratorial, que se oferece num altar de
prazeres apenas porque os interiores mecanismos mentais congeminam estruturas
que acolhem a atrocidade com indisfarçável deleite.
A violência é despejada em doses variáveis. Ora
em pequenas encomendas, quase impercetíveis ao olhar atento. Ora em doses
maciças, numa tempestade desbocada de violência que se abate sobre um alvo. As
vítimas da violência gratuita tanto podem ser criteriosamente escolhidas, como serem
o produto de um acaso, a presa assim açambarcada por uma lotaria aziaga. Seja como
for, o paradigma é o da vítima fraca. Tem de ser alguém mais frágil do que o perpetrador
da violência. Pois ele tem consciência da sua covardia. A sua violência
esconde-se atrás de cortinas baças. Só se revela quando, num movimento brusco e
inesperado, o fautor a retira do esconderijo e a despeja num ato instantâneo. Não
há prévios avisos no dialeto da violência. E eles, os violentos despudorados,
excitam-se com o quadro macabro ao serem testemunhas de eleição do sofrimento da
presa. Dir-se-ia: um prazer pornográfico – não fosse dar-se o caso de o recurso
estilístico apoucar o sexo (mesmo na sua vertente pornográfica), o que não joga
a favor do sexo na comparação imerecida com a violência diligentemente
praticada pelos zelotas da crueldade.
É um lugar banal. O pragmatismo, consagrado pelos
que há muito emigraram as ilusões tangentes a um certo lirismo, atira para cima
da mesa a pergunta sacramental: e não seremos todos (ou quase) perpetradores,
ou pelo menos acólitos, da embriaguez de violência?
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