5.9.17

Connecting the dots

Ride, “Leave Them All Behind”, in https://www.youtube.com/watch?v=Q4JZIfx36Bg
Por efeito de uma prestidigitação sem precedentes, como se houvesse uma convergência de efeitos cósmicos que concorreram para um certo resultado. Pessoas sem se conhecerem acorrem ao mesmo lugar no dia em que um qualquer acontecimento fora da rotina (um ciclone, um golpe de Estado, um eclipse total do sol, um rapto, um acidente de comboio, um fogo que sitia as pessoas dentro de um museu, um voo adiado no regresso de férias) ficou guardado na moldura do tempo cuja serventia é precária.
No círculo concêntrico das coincidências, levadas pelo estado de necessidade que é fermento de uma convivência entre estranhos que de outro modo não teria lugar, as pessoas conversam. Enlaçam-se, perante o dito estado de necessidade. Como se, de repente, fossem velhos conhecidos. Trocam experiências de vida. Destrava-se-lhes a língua na têmpera habitual entre os velhos conhecidos, quando até acontece haver lugar ao confessor e ao que procura abjurar os males interiores através de uma confissão.
As trocas de palavras levam a descobertas que trazem coincidências notáveis. Pessoas mutuamente conhecidas, apesar da distância de lugares que desune os conversantes. Cidades longínquas mutuamente conhecidas e a inerente lembrança que anestesia a gravidade do acontecimento fora da agenda. Livros e músicas consagrados em pessoais listas de preferências, e a sensação – que fervilha no turbilhão do estado de necessidade, matéria-prima para o desalento da razão – de que há tanto em comum com a pessoa que se acabou de conhecer em aziagas circunstâncias. Num ou noutro caso, até, a invasão de paixões assolapadas, afinal um crédito malparado que sobrevém da imensa nebulosa que se deita sobre o olhar apoplético dos circunstantes.
Todavia, os cambiantes adversos do acontecimento fora da rotina são o caldo explicativo da tempestade de sentidos que toma conta das pessoas. Ninguém se diga visionário de coisa alguma. Ninguém se enquiste na categórica certeza de aquele ser um momento demiúrgico, ou qualquer coisa que se assemelhe fora da lhaneza típica dos quadros que pertencem ao marasmo que quadra com a normalidade estatística dos acontecimentos.
No fim do acontecimento, cada pessoa regressa ao lugar de partida e tudo se passa como se continuassem a ser reciprocamente desconhecidos. Os nós foram efémeros.

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