Fields of the Nephilim, “Moonchild”,
in https://www.youtube.com/watch?v=bbSqhNCo_ik
Lá em baixo, um bramido coletivo em forma de liturgia.
Os mais novos, em ato de receção ao estabelecimento onde se propõem aprender, perfilam
como se estivessem numa parada militar. Respondem acefalamente aos pregões ditados
pelos que possuem a cátedra da receção aos mais novos. Perante a voz de
comando, em tom castrense, ripostam obedientemente. Se os pregões têm o condão
de amesquinhar os novatos, todos riem numa orgia coletiva de boa disposição –
até os que se prestam à humilhação.
Eis a essência de um ato de que se diz
pretender assentar a “socialização do estudante”. Uma hierarquia. Comandos que
não podem ser questionados e muito menos desobedecidos. Num insólito caldo que
mistura elementos que representam o que de pior há para fora dos muros onde este
rame-rame primário tem lugar: as forças armadas (não se questiona a ordem do
superior, nem se belisca a hierarquia); a religião (uma ordenação dos fieis
arregimentados à força e, a páginas tantas, a ladainha que parece fazer parte
de uma liturgia); a verborreia acrânia das claques de futebol (cânticos que os
neófitos são obrigados a entoar, como se estivessem num estádio de futebol a
urrar a favor da equipa da sua preferência – aqui substituída pela pertença ao
estabelecimento onde acabam de ser admitidos).
Uns desvalorizam o episódio. Ou porque não lhe
atribuem importância, ou porque não querem atribuir importância aos primatas próceres
de tal obtusidade. Compreendo a intenção: esvazia-se de importância, condenando
à irrelevância os diligentes empreendedores da receção aos novatos, gente
habitualmente pouco qualificada para aprender alguma coisa e sedenta de ser
elevada aos píncaros de qualquer coisa (sendo que a falta de aptidões conduz ao
protagonismo como compensação de uma ausência consabida). Outros exacerbam a
reação, apontando uma a uma as necedades que se desembrulham da prática.
A cada ano que se inicia, os urros encenados
entram pela janela do gabinete. Não consigo ser alheio ao fenómeno. Vejo a prática
como o prolongamento da adolescência ainda sitiada pela infância, pois tudo se
reconduz a momentos pueris onde domina o lúdico que contextualiza o abraço
entre os neófitos e os que os recebem. Não estou a menosprezar o ato (seja com
que efeito o menosprezo possa ser entendido). É uma constatação. Parece confirmar-se
que se cresce cada vez mais tarde. Carregam aos ombros (e, a bem dizer, no
corpo inteiro e, o que é pior, no arremedo de pensamento que conseguem esboçar)
uma infantilidade a destempo. A receção aos mais novos é um ato lúdico, tão lúdico
e cheio de infantilidade como os folguedos dos pré-adolescentes. Não admira que
a propensão para aprender seja tão fraca e, pela trajetória dos últimos anos,
mergulhe num poço de obscurantismo que até já deixou de ser lamentável.
Não há nada a fazer. A não ser fechar a janela
do gabinete e meter aos ouvidos os auscultadores em decantação de estridente música
selecionada em antítese.
E sim: este é um texto sobre “praxes académicas”.
(Assim entre aspas, de propósito.)
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