19.9.17

Não se aprende nada

Fields of the Nephilim, “Moonchild”, in https://www.youtube.com/watch?v=bbSqhNCo_ik    
Lá em baixo, um bramido coletivo em forma de liturgia. Os mais novos, em ato de receção ao estabelecimento onde se propõem aprender, perfilam como se estivessem numa parada militar. Respondem acefalamente aos pregões ditados pelos que possuem a cátedra da receção aos mais novos. Perante a voz de comando, em tom castrense, ripostam obedientemente. Se os pregões têm o condão de amesquinhar os novatos, todos riem numa orgia coletiva de boa disposição – até os que se prestam à humilhação.
Eis a essência de um ato de que se diz pretender assentar a “socialização do estudante”. Uma hierarquia. Comandos que não podem ser questionados e muito menos desobedecidos. Num insólito caldo que mistura elementos que representam o que de pior há para fora dos muros onde este rame-rame primário tem lugar: as forças armadas (não se questiona a ordem do superior, nem se belisca a hierarquia); a religião (uma ordenação dos fieis arregimentados à força e, a páginas tantas, a ladainha que parece fazer parte de uma liturgia); a verborreia acrânia das claques de futebol (cânticos que os neófitos são obrigados a entoar, como se estivessem num estádio de futebol a urrar a favor da equipa da sua preferência – aqui substituída pela pertença ao estabelecimento onde acabam de ser admitidos).
Uns desvalorizam o episódio. Ou porque não lhe atribuem importância, ou porque não querem atribuir importância aos primatas próceres de tal obtusidade. Compreendo a intenção: esvazia-se de importância, condenando à irrelevância os diligentes empreendedores da receção aos novatos, gente habitualmente pouco qualificada para aprender alguma coisa e sedenta de ser elevada aos píncaros de qualquer coisa (sendo que a falta de aptidões conduz ao protagonismo como compensação de uma ausência consabida). Outros exacerbam a reação, apontando uma a uma as necedades que se desembrulham da prática.
A cada ano que se inicia, os urros encenados entram pela janela do gabinete. Não consigo ser alheio ao fenómeno. Vejo a prática como o prolongamento da adolescência ainda sitiada pela infância, pois tudo se reconduz a momentos pueris onde domina o lúdico que contextualiza o abraço entre os neófitos e os que os recebem. Não estou a menosprezar o ato (seja com que efeito o menosprezo possa ser entendido). É uma constatação. Parece confirmar-se que se cresce cada vez mais tarde. Carregam aos ombros (e, a bem dizer, no corpo inteiro e, o que é pior, no arremedo de pensamento que conseguem esboçar) uma infantilidade a destempo. A receção aos mais novos é um ato lúdico, tão lúdico e cheio de infantilidade como os folguedos dos pré-adolescentes. Não admira que a propensão para aprender seja tão fraca e, pela trajetória dos últimos anos, mergulhe num poço de obscurantismo que até já deixou de ser lamentável.
Não há nada a fazer. A não ser fechar a janela do gabinete e meter aos ouvidos os auscultadores em decantação de estridente música selecionada em antítese.
E sim: este é um texto sobre “praxes académicas”. (Assim entre aspas, de propósito.)

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