Radiohead, “I Promise”, in https://www.youtube.com/watch?v=0sFvFVkeGVg
Ó deus do ócio, se é que te é dado a teres
existência, desnivela do oráculo a serviço as coisas cheias de seriedade,
enfeita o crepúsculo com a nata viva do repouso, propagando o convencimento de
que o dia posterior terá a mácula da preguiça. Desfaz os vestígios de pecado
que possam naufragar a medula das gentes assim afetadas: não tingem as bainhas
da existência os módicos levitares tomados pela madraça atitude.
Componham-se as mesas a eito – ordena o
putativo deus do ócio. Nelas amesendem os porventura hereges cultores da inação.
Depois, deitem as cartas para a mesa, num jogo estulto que apenas serve para
tender o tempo vítreo que se arrasta, indolente, pela tarde fora. O deus do ócio
cuida de aparafusar os ponteiros do relógio, para deles não sobrar a impressão
que o tempo flui à medida convencionada. O deus do ócio tratou de procrastinar
o tempo por intermédio da areia que meteu na engrenagem dos solipsistas relógios.
A tribo emacia os pundonores enquanto a dança hedonista coloniza o palco. É como
se as gentes estivessem imersas numa doce letargia e, fora do letargo, nada
houvesse a importuná-las. O próprio tempo, esvaziado de teor.
O deus do ócio, exultante, mandou que os licores
diáfanos corressem as mesas enquanto as gentes tratavam de eleger generais em
sua representação, antecipando as incongruências de que viriam acusadas. Mal tomaram
o gosto à dionísia representação do abrandamento das horas, dos dias reincidentes
que pareciam não ter a habitual moldura obnóxia, as gentes despojaram-se das
pesadas indumentárias de outrora, intransigindo em tudo o que fosse vestígio que
o pretérito deixasse em legado. De boca em boca, corriam alegres palavras
debruadas ao veludo que seria aprovisionamento invernal. Não havia agendas, nem
calendas devidamente assinaladas, nem o enclausurar das pessoas à batuta tirana
dos apoderados do tempo, ou imposturas afins.
Os candeeiros apenas atiravam uma luz fímbria
sobre a escuridão, não dissipando toda a penumbra. Ao menos, ninguém se empenhava
na translúcida transposição das suas fracas partes. Mal por mal, antes o teatro
que a dantesca posse do tempo assim terçado.
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