Royal Trux, “Back to School”
(live), in https://www.youtube.com/watch?v=4zkhll8wfqA
As nuvens comparsas dos campos que estiolam,
presságio do outono que se adivinha. Cores desmaiadas. E os frutos: ora
arrancados à epiderme e despojados no chão, ora em decadente pose, teimosamente
agarrados às ramagens, sem darem conta do seu mirrado estado.
Há quem se entristeça. Ajuízam o outono como a época
em que tudo fica refém de uma desmaiada condição. São vencidos pelo apressado
olhar, desprezando o fermento de uma demorada observação das coisas. Parece-lhes
o fim dos tempos. Em desabono da memória (e do conhecimento), que levitam as
escalas em que se demora o tempo, na sua iterada demanda. Nada tem um fim. Dizem:
têm os corpos na sua finitude, têm as frutas e as flores quando se ocultam do
seu viço e hibernam, escondendo-se do inverno hediondo. Servem-se da outonal
estação como preparação para os rigores que se esperam. É a prova que o outono
não é sequer a antecâmara dos pavores semeados pelo inverno; das suas mãos, o
outono confere a armadura em que se escondem os frutos, as flores – as pessoas
intimidadas com a invernia. O olhar apressado não é juiz confiável.
Assustam-se as crianças quando passam no jardim
das framboesas e reparam na sua ausência. Algumas choram. Têm medo que as
framboesas tenham definitivamente evaporado mercê de um místico golpe de asa de
uma malévola entidade. Nesta idade, fervem os mitos urbanos (sob a capa de eufemismos
outros). Essas crianças sentam-se no beiral do jardim, erram pelos seus caminhos
frondosos, e evocam as delícias do jardim das framboesas quando estava tingido
com os frutos no seu carmim edulcorado. É estranho, o pesar. Grande parte das
crianças não gostou de provar as framboesas, o paladar talvez ainda impreparado
para a astuciosa acidez misturada com a doçura disfarçada dos frutos. Acontece frequentemente
com as crianças: delas se diz que comem mais os olhos do que a barriga. As framboesas
não deixam de ser apenas um ingrediente que embeleza a paisagem, como se delas
constasse o material semiótico que explica o esplendor de um quadro realista.
Não acontece só com as crianças. Os mais velhos
seguem, pela vida fora, hipotecados à anestesia dos sentidos que destravam as
primeiras impressões, inebriados pelo que é dado a conhecer aos olhos, sem paciência
para desenharem conclusões validadas por uma impressão mais demorada (e não volúvel)
que os demais sentidos tragam ao regaço. Quem pode censurar as crianças quando
decaem em prantos ao julgarem a finitude das framboesas na vetusta nudez do
jardim que as acolhe?
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