20.9.17

Eclipse

Trentemøller, “Hands Down”, in https://www.youtube.com/watch?v=3h11GtR6x1w    
Guardo os objetos memoráveis. Emolduro páginas e páginas com palavras que julgo o selo vivo da matéria heurística. Em ninhos ausentes dos sobressaltos que não deixam de pontuar a existência, nem que seja com pequenas e pouco demoradas crises existenciais. Sublinho as venturas edificadas, sem grande pundonor, sem grande orgulho (por um mandamento de humildade que, por dever de feitio, se contrapõe aos deslumbrados narcísicos que se compõem à volta). Terço argumentos em pleitos de opinião, com o lastro das ideias a servir de balaustrada, a servir de irremediável forro, que as ideias são o húmus de que não se pode escapar.
Não desejo néones compostos sobre o corpo assim massajado. Não pretendo reconhecimento (todo o seu contrário). Quase como se fosse preciso encontrar as bainhas de um eclipse, e na penumbra inerente repousassem as muralhas de onde encontro esconderijo no restante. Por isso, fujo escrupulosamente de holofotes. Para dentro do poço do eclipse, onde a serenidade é altar demiúrgico, onde tudo se arregimenta nas mãos em seu pudor inesgotável. Não importam os comportamentos antítese. Cabem a quem os tutela. Já tem importância a denegação desses comportamentos quando alguém procura deles fazer processo de intenções de modo a transfigurar um modo de ser. Enquanto são exteriores, permanecem na pessoal irrelevância. Servem para pôr a enfâse na necessidade de transitar pelos antípodas desses recusados comportamentos.
Outra vez na matéria eclipse, na ausência de notoriedade, no quase anonimato que respalda o espírito domado. Às vezes, só por exercício metódico simula-se, por dentro dos limites exclusivos do pensamento, o palco que seria posto do oposto deste imperativo eclipse. Um cenário de horror toma conta do palco assim montado. Só de saber que o rosto seria escrutinado ao andar na rua e apetece ser ainda mais dedicado ao refúgio caseiro.
Por isso, eclipse sem remédio. Não se intuem redenções forçosas que reparem erros cometidos no sargaço da ingenuidade, ou por cometimento de desafios lançados de fora para dentro. O demorado, imorredoiro eclipse, o total eclipse: retiro metódico num campestre exílio interior, como se fosse possível conviver numa cidade sem habitantes.

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